O ambiente de festa, de alegria, combinado com uma profunda reverência e ordem, viveu-se intensamente em todo o longo setor que vai do City Hall da capital até porta do Gwanghwamun em Seul, assim como em muitas das ruas vizinhas.
Aproximadamente às 8:30 a.m. as centenas de milhares de fiéis presentes rezaram o Terço todos sentados sobre o chão, muitos descalços como é habitual pelo calor e usando para sentar a pequena toalha de mesa que todos receberam ao ingressar no local da Missa.
O kit completo que era entregue a cada pessoa consistia de uma garrafa de água, pelo forte calor, uma toalha de mesa, o folheto para seguir a Missa, todo em latim e em coreano, e um boné de plástico de diversas cores, dependendo do setor onde os grupos deviam localizar-se.
Logo após o Terço, o Santo Padre fez sua chegada poucos minutos depois de 9:00 e percorreu umas doze quarteirões em um veículo totalmente aberto, para a alegria de todos os presentes que pugnaram por tomar uma foto ou saudá-lo.
Ao iniciar a Missa, o Santo Padre escutou a "petitio", a solicitude que se faz para beatificar um Servo de Deus, e procedeu então a pronunciar a fórmula de beatificação em latim, que foi logo lida em coreano o que gerou uma grande ovação de toda a multidão.
Logo após o ato de ação de graças e das leituras da Missa, o Pontífice leu sua homilia na que assegurou que a morte de Paulo Yun Ji-chung e seus 123 companheiros mártires “segue dando frutos” na Igreja na Coréia hoje.
*Estes 124 mártires, que representam a primeira geração de católicos coreanos, eram todos leigos, com exceção de um sacerdote chinês, Pe. James Ju Mun-mo, o primeiro a entrar na Coréia e a rezar a primeira Missa no país, e conhecido pelo seu zelo missionário. Após seis anos da sua chegada, os católicos já eram dez mil. Depois da sua decapitação, a sua cabeça foi exposta sarcasticamente ao público. Por sua vez, Paul Yun Ji-Chun foi martirizado, com seu primo, por violar os rituais confucianos, ao enterrar sua mãe com rito católico.*
Abaixo a homilia completa:
VIAGEM APOSTÓLICA
DE SUA SANTIDADE FRANCISCO
À REPÚBLICA DA COREIA POR OCASIÃO
DA VI JORNADA DA JUVENTUDE ASIÁTICA
(13-18 DE AGOSTO DE 2014)
SANTA MISSA DE BEATIFICAÇÃO
DE PAUL YUN JI-CHUNG E 123 COMPANHEIROS MÁRTIRES
HOMILIA DO SANTO PADRE
Porta de Gwanghwamun (Seoul)
Sábado, 16 de Agosto de 2014
«Quem nos separará do amor de Cristo?» (Rm 8, 35). Com estas palavras, São Paulo fala-nos da glória da nossa fé em Jesus: Cristo não só ressuscitou dentre os mortos e subiu ao céu, mas uniu-nos a Si mesmo, tornando-nos participantes da sua vida eterna. Cristo é vitorioso e a sua vitória é nossa!
Hoje celebramos esta vitória em Paulo Yun Ji-chung e nos seus 123 companheiros. Os seus nomes vêm juntar-se aos dos Santos Mártires André Kim Taegon, Paulo Chong Hasang e companheiros, aos quais pouco antes prestei homenagem. Todos viveram e morreram por Cristo e agora reinam com Ele na alegria e na glória. Com São Paulo, dizem-nos que Deus, na morte e ressurreição de seu Filho, nos deu a maior de todas as vitórias. De facto, «nem a morte, nem a vida, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rm 8, 38-39).
A vitória dos mártires, o testemunho por eles prestado à força do amor de Deus, continua ainda hoje a dar frutos na Coreia, na Igreja que recebe incentivo do seu sacrifício. A celebração do Beato Paulo e dos seus companheiros dá-nos oportunidade de voltar aos primeiros momentos, aos alvores da Igreja na Coreia. Convido-vos, católicos coreanos, a lembrar as grandes coisas que Deus realizou nesta terra e a guardar, como um tesouro, o legado de fé e caridade que vos foi confiado pelos vossos antepassados.
Na providência misteriosa de Deus, a fé cristã não chegou às costas da Coreia por intermédio de missionários; mas entrou através dos corações e das mentes do próprio povo coreano. Este foi estimulado à fé pela curiosidade intelectual, pela busca da verdade religiosa. Foi através dum encontro inicial com o Evangelho que os primeiros cristãos coreanos abriram as suas mentes a Jesus. Queriam saber mais sobre este Cristo que sofreu, morreu e ressuscitou dos mortos; e este aprender algo sobre Jesus bem depressa levou a um encontro com o próprio Senhor, aos primeiros baptismos, ao desejo duma vida sacramental e eclesial plena e aos inícios dum compromisso missionário. Além disso, frutificou em comunidades que se inspiravam na Igreja primitiva, onde os fiéis formavam verdadeiramente um só coração e uma só alma, sem olhar às diferenças sociais tradicionais, e possuíam tudo em comum (cf. Act 4, 32).
Esta história é muito elucidativa sobre a importância, a dignidade e a beleza da vocação dos leigos. Dirijo a minha saudação a tantos fiéis leigos aqui presentes, especialmente às famílias cristãs que diariamente, com o seu exemplo, educam os jovens para a fé e o amor reconciliador de Cristo. De modo especial, saúdo os inúmeros sacerdotes aqui presentes: através do seu ministério generoso, transmitem o rico património de fé cultivado pelas passadas gerações de católicos coreanos.
O Evangelho de hoje contém uma mensagem importante para todos nós. Jesus pede ao Pai que nos consagre na verdade e nos guarde do mundo. Antes de mais nada, é significativo que Jesus, ao pedir ao Pai que nos consagre e guarde, não Lhe pede para nos tirar do mundo. Sabemos que envia os seus discípulos para serem fermento de santidade e verdade no mundo: o sal da terra e a luz do mundo. Nisto, os mártires mostram-nos o caminho.
Algum tempo depois que as primeiras sementes de fé foram lançadas nesta terra, os mártires e a comunidade cristã tiveram que escolher entre seguir Jesus ou o mundo. Tinham escutado a advertência do Senhor, ou seja, que o mundo os odiaria por causa d’Ele (cf. Jo 17, 14); sabiam qual era o preço de ser discípulo. Para muitos, isso significou a perseguição e, mais tarde, a fuga para as montanhas, onde formaram aldeias católicas. Estavam dispostos a grandes sacrifícios e a deixar-se despojar de tudo o que pudesse afastá-los de Cristo: os bens e a terra, o prestígio e a honra, porque sabiam que somente Cristo era o seu verdadeiro tesouro.
Hoje, muitas vezes, experimentamos que a nossa fé é posta à prova pelo mundo, sendo-nos pedido de muitíssimas maneiras para condescender no referente à fé, diluir as exigências radicais do Evangelho e conformar-nos com o espírito do tempo. Mas os mártires chamam-nos a colocar Cristo acima de tudo, considerando todas as demais coisas neste mundo em relação a Ele e ao seu Reino eterno. Os mártires levam-nos a perguntar se há algo pelo qual estamos dispostos a morrer.
Além disso, o exemplo dos mártires ensina-nos a importância da caridade na vida de fé. Foi a pureza do seu testemunho de Cristo, manifestada na aceitação da igual dignidade de todos os baptizados, que os levou a uma forma de vida fraterna que desafiava as rígidas estruturas sociais do seu tempo. Foi a sua recusa de separar o duplo mandamento do amor a Deus e do amor ao próximo que os levou a tão grande solicitude pelas necessidades dos irmãos. O seu exemplo tem muito a dizer a nós que vivemos numa sociedade onde, ao lado de imensas riquezas, cresce silenciosamente a pobreza mais abjecta; onde raramente se escuta o grito dos pobres; e onde Cristo continua a chamar, pedindo-nos que O amemos e sirvamos, estendendo a mão aos nossos irmãos e irmãs necessitados.
Se seguirmos o exemplo dos mártires e acreditarmos na palavra do Senhor, então compreenderemos a sublime liberdade e a alegria com que eles foram ao encontro da morte. Além disso, veremos que a celebração de hoje abraça os inúmeros mártires anónimos, neste país e no resto do mundo, que, especialmente no século passado, ofereceram a sua própria vida por Cristo ou sofreram duras perseguições por causa do seu nome.
Hoje é um dia de grande alegria para todos os coreanos. O legado do Beato Paulo Yun Ji-chung e dos seus Companheiros – a sua rectidão na busca da verdade, a sua fidelidade aos supremos princípios da religião que tinham escolhido abraçar, bem como o seu testemunho de caridade e solidariedade para com todos – tudo isso faz parte da rica história do povo coreano. O legado dos mártires pode inspirar todos os homens e mulheres de boa vontade a trabalharem harmoniosamente por uma sociedade mais justa, livre e reconciliada, contribuindo assim para a paz e a defesa dos valores autenticamente humanos neste país e no mundo inteiro.
Possam as orações de todos os mártires coreanos, em união com as de Nossa Senhora, Mãe da Igreja, obter-nos a graça de perseverar na fé e em toda a boa obra, na santidade e pureza de coração e no zelo apostólico de testemunhar Jesus nesta amada Nação, em toda a Ásia e até aos confins da terra. Amen.
Fonte: Vatican.va/Fotos: Facebook
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