CRACÓVIA, 30 Jul. 16 / 05:00 pm (ACI).- O Papa Francisco dirigiu um discurso emocionante aos 1,6 milhões de jovens reunidos no Campus Misericordiae para a Vigília de Oração da JMJ Cracóvia 2016, a quem exortou não confundir uma “sofá” no qual se corre o perigo de terminar “adormecidos, pasmados, entontecidos”.
Ao iniciar esta grande vigília, o Santo Padre cruzou, de mãos dadas com seis jovens, a Porta Santa colocada especialmente para a ocasião, no Campus Misericordiae, onde se realizou este esperado evento.
Em seguida, escutou as boas-vindas do Arcebispo de Cracóvia e anfitrião desta JMJ, o Cardeal Stanislaw Dziwisz.
O Purpurado disse ao Pontífice que a vigília se realiza no “Campus Misericordiae, esta vasta extensão que aos nossos olhos se torna hoje o grande Cenáculo de jovens discípulos do Mestre de Nazaré. Eles são uma enorme multidão de todos os continentes e nações”.
“Cotidianamente, falam distintos idiomas, mas nesses dias falam entre eles um só, o idioma da fé, da fraternidade e do amor. Estes jovens também esperam tua palavra que se expressa com a linguagem do amor”, disse.
Após as palavras do Cardeal, os jovens fizeram várias encenações e três peregrinos compartilharam seu testemunho com os presentes.
Uma polonesa, chamada Natalia, contou sua intensa experiência da misericórdia de Deus e como mudou sua vida a partir de uma confissão especial que teve há alguns anos; Rand, da Síria, narrou a dor da guerra no seu país; enquanto Miguel, do Paraguai, contou como ele superou o flagelo das drogas com a força da fé.
Em seguida, o Papa pronunciou seu discurso, no qual advertiu sobre uma paralisia “perigosa e difícil”, que muitas vezes é difícil de identificar: “gosto de a chamar a paralisia que brota quando se confunde ‘felicidade’ com um ‘sofá’! Sim, julgar que, para ser felizes, temos necessidade de um bom sofá”.
“Um sofá que nos ajude a estar cômodos, tranquilos, bem seguros. Um sofá – como os que existem agora, modernos, incluindo massagens para dormir – que nos garanta horas de tranquilidade para mergulharmos no mundo dos videojogos e passar horas diante do computador”. (ACI digital)
Confira a Homilia na íntegra:
VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO À POLÓNIA
POR OCASIÃO DA XXXI JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
(27-31 DE JULHO DE 2016)
VIGÍLIA DE ORAÇÃO COM OS JOVENS
DISCURSO DO SANTO PADRE
Cracóvia, Campus Misericordiae Sábado,
30 de julho de 2016
Queridos jovens, boa noite!
É bom estar aqui convosco nesta Vigília de Oração.
Na parte final do seu corajoso e emocionante testemunho, Rand pediu-nos uma coisa. Disse-nos: «Peço-vos, sinceramente, que rezeis pelo meu amado país». Uma história marcada pela guerra, pelo sofrimento, pela ruína, que termina com um pedido: o da oração. Que há de melhor para começar a nossa Vigília do que rezar?
Vimos de várias partes do mundo, de continentes, países, línguas, culturas, povos diferentes. Somos «filhos» de nações que estão talvez em disputa por vários conflitos, ou até mesmo em guerra. Outros vimos de países que podem estar «em paz», que não têm conflitos bélicos, onde muitas das coisas dolorosas que acontecem no mundo fazem parte apenas das notícias e da imprensa. Mas estamos cientes duma realidade: hoje e aqui, para nós provenientes de diversas partes do mundo, o sofrimento e a guerra que vivem muitos jovens deixaram de ser uma coisa anónima, para nós já não são uma notícia de imprensa, mas têm um nome, um rosto, uma história, fizeram-se-me vizinhos. Hoje a guerra na Síria é a dor e o sofrimento de tantas pessoas, de tantos jovens como a corajosa Rand, que está aqui entre nós e pede-nos para rezar pelo seu país amado.
Há situações que nos podem parecer distantes, até ao momento em que, de alguma forma, as tocamos. Há realidades que não entendemos porque vemo-las apenas através dum monitor (do telemóvel ou do computador). Mas, quando tomamos contacto com a vida, com as vidas concretas e já não pela mediação dos monitores, então algo mexe connosco: todos nos sentimos convidados a envolver-nos: «Basta de cidades esquecidas», como diz Rand; nunca mais deve acontecer que irmãos estejam «circundados pela morte e por assassinatos» sentindo que ninguém os ajudará. Queridos amigos, convido-vos a rezar juntos pelo sofrimento de tantas vítimas da guerra, desta guerra que há hoje no mundo, para podermos compreender, uma vez por todas, que nada justifica o sangue dum irmão, que nada é mais precioso do que a pessoa que temos ao nosso lado. E, neste pedido de oração, quero-vos agradecer também a vós, Natália e Miguel, pois também vós partilhastes connosco as vossas batalhas, as vossas guerras interiores. Apresentastes-nos as vossas lutas e o modo como as superastes. Vós sois um sinal vivo daquilo que a misericórdia quer fazer em nós.
Agora, não vamos pôr-nos a gritar contra ninguém, não vamos pôr-nos a litigar, não queremos destruir, não queremos insultar. Não queremos vencer o ódio com mais ódio, vencer a violência com mais violência, vencer o terror com mais terror. A nossa resposta a este mundo em guerra tem um nome: chama-se fraternidade, chama-se irmandade, chama-se comunhão, chama-se família. Alegramo-nos pelo facto de virmos de culturas diferentes e nos unirmos para rezar. Que a nossa palavra melhor, o nosso melhor discurso seja unirmo-nos em oração. Façamos um momento de silêncio, e rezemos; ponhamos diante de Deus os testemunhos destes amigos, identifiquemo-nos com aqueles para quem «a família é um conceito inexistente, a casa apenas um lugar para dormir e comer», ou com aqueles que vivem no medo porque creem que os seus erros e pecados os baniram definitivamente. Coloquemos na presença do nosso Deus também as vossas «guerras», as nossas «guerras», as lutas que cada um carrega consigo, no seu próprio coração. E para isso, para nos sentirmos em família, em fraternidade, todos unidos, convido-vos a levantar-vos, dar as mãos e rezar em silêncio. Todos.
(SILÊNCIO)
Enquanto rezávamos, veio-me à mente a imagem dos Apóstolos no dia de Pentecostes. Uma cena que nos pode ajudar a compreender tudo aquilo que Deus sonha realizar na nossa vida, em nós e connosco. Naquele dia, os discípulos estavam fechados dentro de casa pelo medo. Sentiam-se ameaçados por um ambiente que os perseguia, que os forçava a estar numa pequena casa obrigando-os a ficar ali imóveis e paralisados. O medo apoderou-se deles. Naquele contexto, acontece algo espetacular, algo grandioso. Vem o Espírito Santo, e línguas como que de fogo pousaram sobre cada um deles, impelindo-os para uma aventura que nunca teriam sonhado. A situação muda completamente.
Ouvimos três testemunhos; tocamos, com os nossos corações, as suas histórias, as suas vidas. Vimos como eles viveram momentos semelhantes aos dos discípulos, atravessaram momentos em que estiveram cheios de medo, em que parecia que tudo desmoronava. O medo e a angústia, que nascem do facto de uma pessoa saber que saindo de casa pode não ver mais os seus entes queridos, o medo de não se sentir apreciado e amado, o medo de não ter outras oportunidades. Eles partilharam connosco a mesma experiência que fizeram os discípulos, experimentaram o medo que leva ao único lugar possível. Onde nos leva o medo? Ao fechamento. E, quando o medo se esconde no fechamento, fá-lo sempre na companhia da sua «irmã gémea», a paralisia; faz-nos sentir paralisados. Sentir que, neste mundo, nas nossas cidades, nas nossas comunidades, já não há espaço para crescer, para sonhar, para criar, para contemplar horizontes, em suma, para viver, é um dos piores males que nos podem acontecer na vida, sobretudo na juventude. A paralisia faz-nos perder o gosto de desfrutar do encontro, da amizade, o gosto de sonhar juntos, de caminhar com os outros. Afasta-nos dos outros, impede de nos cumprimentarmos, como vimos [na encenação]: todos fechados naqueles cubículos de vidro.
Na vida, porém, há outra paralisia ainda mais perigosa e difícil, muitas vezes, de identificar e que nos custa muito reconhecer. Gosto de a chamar a paralisia que brota quando se confunde a FELICIDADE com um SOFÁ/KANAPA. Sim, julgar que, para ser felizes, temos necessidade de um bom sofá. Um sofá que nos ajude a estar cómodos, tranquilos, bem seguros. Um sofá – como os que existem agora, modernos, incluindo massagens para dormir – que nos garanta horas de tranquilidade para mergulharmos no mundo dos videojogos e passar horas diante do computador. Um sofá contra todo o tipo de dores e medos. Um sofá que nos faça estar fechados em casa, sem nos cansarmos nem nos preocuparmos. Provavelmente, o «sofá-felicidade/kanapa-szczęście» é a paralisia silenciosa que mais nos pode arruinar, que mais pode arruinar a juventude. «E porque acontece isto, padre?» Porque pouco a pouco, sem nos darmos conta, encontramo-nos adormecidos, encontramo-nos pasmados e entontecidos. Anteontem falei dos jovens aposentados aos vinte anos; hoje falo dos jovens adormecidos, pasmados, entontecidos, enquanto outros – talvez os mais vivos, mas não os melhores – decidem o futuro por nós. Certamente, para muitos, é mais fácil e vantajoso ter jovens pasmados e entontecidos que confundem a felicidade com um sofá; para muitos, isto resulta mais conveniente do que ter jovens vigilantes, desejosos de responder, de responder ao sonho de Deus e a todas as aspirações do coração. Vós – pergunto eu, pergunto a vós – quereis ser jovens adormecidos, pasmados, entontecidos? [Não!] Quereis que outros decidam o futuro por vós? [Não!] Quereis ser livres? [Sim!] Quereis estar vigilantes? [Sim!] Quereis lutar pelo vosso futuro? [Sim!] Não vos vejo muito convencidos… Quereis lutar pelo vosso futuro? [Sim!]
Mas a verdade é outra! Queridos jovens, não viemos ao mundo para «vegetar», para transcorrer comodamente os dias, para fazer da vida um sofá que nos adormeça; pelo contrário, viemos com outra finalidade, para deixar uma marca. É muito triste passar pela vida sem deixar uma marca. Mas, quando escolhemos a comodidade, confundindo felicidade com consumo, então o preço que pagamos é muito, mas muito caro: perdemos a liberdade. Não somos livres para deixar uma marca. Perdemos a liberdade. Este é o preço. E há tantas pessoas cuja vontade é que os jovens não sejam lives, há tantas pessoas que não vos amam, que vos querem entontecidos, pasmados, adormecidos, mas… livres, nunca! Não; isso não! Devemos defender a nossa liberdade.
É precisamente aqui que existe uma grande paralisia: quando começamos a pensar que a felicidade é sinónimo de comodidade, que ser feliz é caminhar na vida adormentado ou narcotizado, que a única maneira de ser feliz é estar como que entorpecido. É certo que a droga faz mal, mas há muitas outras drogas socialmente aceitáveis, que acabam por nos tornar em todo o caso muito mais escravos. Umas e outras despojam-nos do nosso bem maior: a liberdade. Despojam-nos da liberdade.
Amigos, Jesus é o Senhor do risco, o Senhor do sempre «mais além». Jesus não é o Senhor do conforto, da segurança e da comodidade. Para seguir a Jesus, é preciso ter uma boa dose de coragem, é preciso decidir-se a trocar o sofá por um par de sapatos que te ajudem a caminhar por estradas nunca sonhadas e nem mesmo pensadas, por estradas que podem abrir novos horizontes, capazes de contagiar-te a alegria, aquela alegria que nasce do amor de Deus, a alegria que deixa no teu coração cada gesto, cada atitude de misericórdia. Caminhar pelas estradas seguindo a «loucura» do nosso Deus, que nos ensina a encontrá-Lo no faminto, no sedento, no maltrapilho, no doente, no amigo em maus lençóis, no encarcerado, no refugiado e migrante, no vizinho que vive só. Caminhar pelas estradas do nosso Deus, que nos convida a ser atores políticos, pessoas que pensam, animadores sociais; que nos encoraja a pensar uma economia mais solidária do que esta. Em todos os campos onde vos encontrais, o amor de Deus convida-vos a levar a Boa Nova, fazendo da própria vida um dom para Ele e para os outros. Isto significa ser corajosos; isto significa ser livres.
Poderíeis replicar-me: Mas isto, padre, não é para todos; é só para alguns eleitos! Sim, é verdade! E estes eleitos são todos aqueles que estão dispostos a partilhar a sua vida com os outros. Tal como o Espírito Santo transformou o coração dos discípulos no dia de Pentecostes – estavam paralisados –, assim o fez também com os nossos amigos que partilharam os seus testemunhos. Uso as tuas palavras, Miguel: disseste-nos que no dia em que te confiaram, lá na «Fazenda», a responsabilidade de contribuir para o melhor funcionamento da casa, então começaste a compreender que Deus te pedia algo. Assim começou a transformação.
Este é o segredo, queridos amigos, que todos somos chamados a experimentar. Deus espera algo de ti. Ouvistes bem? Deus espera algo de ti, Deus quer algo de ti, Deus está à tua espera. Deus vem quebrar os nossos fechamentos, vem abrir as portas das nossas vidas, das nossas perspetivas, dos nossos olhares. Deus vem abrir tudo aquilo que te fecha. Convida-te a sonhar, quer fazer-te ver que, contigo, o mundo pode ser diferente. É assim: se não deres o melhor de ti mesmo, o mundo não será diverso. É um desafio.
O tempo que hoje estamos a viver não precisa de jovens-sofá/młodzi kanapowi, mas de jovens com os sapatos, ainda melhor, com as sapatilhas calçadas. Este tempo aceita apenas jogadores titulares em campo, não há lugar para reservas. O mundo de hoje pede-vos para serdes protagonistas da história, porque a vida é bela desde que a queiramos viver, desde que queiramos deixar uma marca. Hoje a história pede-nos que defendamos a nossa dignidade e não deixemos que sejam outros a decidir o nosso futuro. Não! Nós é que devemos decidir o nosso futuro; vós, o vosso futuro. O Senhor, como no Pentecostes, quer realizar um dos maiores milagres que podemos experimentar: fazer com que as tuas mãos, as minhas mãos, as nossas mãos se transformem em sinais de reconciliação, de comunhão, de criação. Ele quer as tuas mãos para continuar a construir o mundo de hoje. Quer construí-lo contigo. E tu, que Lhe respondes? Que resposta Lhe dás tu? Sim ou não? [Sim!]
Dir-me-ás: Mas, padre, eu sou muito limitado, sou pecador… que posso fazer? Quando o Senhor nos chama não pensa naquilo que somos, naquilo que éramos, naquilo que fizemos ou deixamos de fazer. Pelo contrário: no momento em que nos chama, Ele está a ver tudo aquilo que poderemos fazer, todo o amor que somos capazes de comunicar. Ele aposta sempre no futuro, no amanhã. Jesus olha-te projetado no horizonte, nunca no museu.
Por isso, amigos, hoje Jesus convida-te, chama-te a deixar a tua marca na vida, uma marca que determine a história, que determine a tua história e a história de muitos.
A vida de hoje diz-nos que é muito fácil fixar a atenção naquilo que nos divide, naquilo que nos separa. Querem fazer-nos crer que fechar-nos é a melhor maneira de nos protegermos daquilo que nos faz mal. Hoje nós, adultos – nós, adultos –, precisamos de vós para nos ensinardes – como estais a fazer hoje – a conviver na diversidade, no diálogo, na partilha da multiculturalidade não como uma ameaça mas como uma oportunidade. E vós sois uma oportunidade para o futuro. Tende a coragem de nos ensinar, tende a coragem de ensinar a nós que é mais fácil construir pontes do que levantar muros! Precisamos de aprender isto. E todos juntos pedimos que nos exijais percorrer as estradas da fraternidade. Sede vós os nossos acusadores, se escolhermos o atalho dos muros, o atalho da inimizade, o atalho da guerra. Construir pontes… Sabeis qual é a primeira ponte a construir? Uma ponte que podemos realizar aqui e agora: um aperto de mão, darmo-nos as mãos. Coragem! Fazei-o agora. Fazei esta ponte humana, dai as mãos, todos vós: é a ponte primordial é a ponte humana, é a primeira, é o modelo. Naturalmente há sempre o risco – como disse no outro dia – de se ficar com a mão estendida; mas, na vida, é preciso arriscar; quem não arrisca, não vence. Com esta ponte, podemos avançar. Fazei aqui esta ponte primordial: dai-vos as mãos. Obrigado! É a grande ponte fraterna, e podem aprender a fazê-la os grandes deste mundo... Não para a fotografia – quando dão as mãos e pensam noutra coisa –, mas para continuar a construir pontes cada vez maiores. Que esta ponte humana seja semente de muitas outras; será uma marca.
Hoje, Jesus, que é o caminho, chama-te – a ti… a ti… a ti… [aponta para cada um] – a deixar a tua marca na história. Ele, que é a vida, convida-te a deixar uma marca que encha de vida a tua história e a de muitos outros. Ele, que é a verdade, convida-te a deixar as estradas da separação, da divisão, do sem-sentido. Aceitais? [Sim!] Aceitais? [Sim!] Que respondem agora – quero ver – as vossas mãos e os vossos pés ao Senhor, que é caminho, verdade e vida? Aceitais? [Sim!] O Senhor abençoe os vossos sonhos. Obrigado!
Fonte: ACI digital
Homilia: Vatican.va
Ao iniciar esta grande vigília, o Santo Padre cruzou, de mãos dadas com seis jovens, a Porta Santa colocada especialmente para a ocasião, no Campus Misericordiae, onde se realizou este esperado evento.
Em seguida, escutou as boas-vindas do Arcebispo de Cracóvia e anfitrião desta JMJ, o Cardeal Stanislaw Dziwisz.
O Purpurado disse ao Pontífice que a vigília se realiza no “Campus Misericordiae, esta vasta extensão que aos nossos olhos se torna hoje o grande Cenáculo de jovens discípulos do Mestre de Nazaré. Eles são uma enorme multidão de todos os continentes e nações”.
“Cotidianamente, falam distintos idiomas, mas nesses dias falam entre eles um só, o idioma da fé, da fraternidade e do amor. Estes jovens também esperam tua palavra que se expressa com a linguagem do amor”, disse.
Após as palavras do Cardeal, os jovens fizeram várias encenações e três peregrinos compartilharam seu testemunho com os presentes.
Uma polonesa, chamada Natalia, contou sua intensa experiência da misericórdia de Deus e como mudou sua vida a partir de uma confissão especial que teve há alguns anos; Rand, da Síria, narrou a dor da guerra no seu país; enquanto Miguel, do Paraguai, contou como ele superou o flagelo das drogas com a força da fé.
Em seguida, o Papa pronunciou seu discurso, no qual advertiu sobre uma paralisia “perigosa e difícil”, que muitas vezes é difícil de identificar: “gosto de a chamar a paralisia que brota quando se confunde ‘felicidade’ com um ‘sofá’! Sim, julgar que, para ser felizes, temos necessidade de um bom sofá”.
“Um sofá que nos ajude a estar cômodos, tranquilos, bem seguros. Um sofá – como os que existem agora, modernos, incluindo massagens para dormir – que nos garanta horas de tranquilidade para mergulharmos no mundo dos videojogos e passar horas diante do computador”. (ACI digital)
Confira a Homilia na íntegra:
VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO À POLÓNIA
POR OCASIÃO DA XXXI JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
(27-31 DE JULHO DE 2016)
VIGÍLIA DE ORAÇÃO COM OS JOVENS
DISCURSO DO SANTO PADRE
Cracóvia, Campus Misericordiae Sábado,
30 de julho de 2016
Queridos jovens, boa noite!
É bom estar aqui convosco nesta Vigília de Oração.
Na parte final do seu corajoso e emocionante testemunho, Rand pediu-nos uma coisa. Disse-nos: «Peço-vos, sinceramente, que rezeis pelo meu amado país». Uma história marcada pela guerra, pelo sofrimento, pela ruína, que termina com um pedido: o da oração. Que há de melhor para começar a nossa Vigília do que rezar?
Vimos de várias partes do mundo, de continentes, países, línguas, culturas, povos diferentes. Somos «filhos» de nações que estão talvez em disputa por vários conflitos, ou até mesmo em guerra. Outros vimos de países que podem estar «em paz», que não têm conflitos bélicos, onde muitas das coisas dolorosas que acontecem no mundo fazem parte apenas das notícias e da imprensa. Mas estamos cientes duma realidade: hoje e aqui, para nós provenientes de diversas partes do mundo, o sofrimento e a guerra que vivem muitos jovens deixaram de ser uma coisa anónima, para nós já não são uma notícia de imprensa, mas têm um nome, um rosto, uma história, fizeram-se-me vizinhos. Hoje a guerra na Síria é a dor e o sofrimento de tantas pessoas, de tantos jovens como a corajosa Rand, que está aqui entre nós e pede-nos para rezar pelo seu país amado.
Há situações que nos podem parecer distantes, até ao momento em que, de alguma forma, as tocamos. Há realidades que não entendemos porque vemo-las apenas através dum monitor (do telemóvel ou do computador). Mas, quando tomamos contacto com a vida, com as vidas concretas e já não pela mediação dos monitores, então algo mexe connosco: todos nos sentimos convidados a envolver-nos: «Basta de cidades esquecidas», como diz Rand; nunca mais deve acontecer que irmãos estejam «circundados pela morte e por assassinatos» sentindo que ninguém os ajudará. Queridos amigos, convido-vos a rezar juntos pelo sofrimento de tantas vítimas da guerra, desta guerra que há hoje no mundo, para podermos compreender, uma vez por todas, que nada justifica o sangue dum irmão, que nada é mais precioso do que a pessoa que temos ao nosso lado. E, neste pedido de oração, quero-vos agradecer também a vós, Natália e Miguel, pois também vós partilhastes connosco as vossas batalhas, as vossas guerras interiores. Apresentastes-nos as vossas lutas e o modo como as superastes. Vós sois um sinal vivo daquilo que a misericórdia quer fazer em nós.
Agora, não vamos pôr-nos a gritar contra ninguém, não vamos pôr-nos a litigar, não queremos destruir, não queremos insultar. Não queremos vencer o ódio com mais ódio, vencer a violência com mais violência, vencer o terror com mais terror. A nossa resposta a este mundo em guerra tem um nome: chama-se fraternidade, chama-se irmandade, chama-se comunhão, chama-se família. Alegramo-nos pelo facto de virmos de culturas diferentes e nos unirmos para rezar. Que a nossa palavra melhor, o nosso melhor discurso seja unirmo-nos em oração. Façamos um momento de silêncio, e rezemos; ponhamos diante de Deus os testemunhos destes amigos, identifiquemo-nos com aqueles para quem «a família é um conceito inexistente, a casa apenas um lugar para dormir e comer», ou com aqueles que vivem no medo porque creem que os seus erros e pecados os baniram definitivamente. Coloquemos na presença do nosso Deus também as vossas «guerras», as nossas «guerras», as lutas que cada um carrega consigo, no seu próprio coração. E para isso, para nos sentirmos em família, em fraternidade, todos unidos, convido-vos a levantar-vos, dar as mãos e rezar em silêncio. Todos.
(SILÊNCIO)
Enquanto rezávamos, veio-me à mente a imagem dos Apóstolos no dia de Pentecostes. Uma cena que nos pode ajudar a compreender tudo aquilo que Deus sonha realizar na nossa vida, em nós e connosco. Naquele dia, os discípulos estavam fechados dentro de casa pelo medo. Sentiam-se ameaçados por um ambiente que os perseguia, que os forçava a estar numa pequena casa obrigando-os a ficar ali imóveis e paralisados. O medo apoderou-se deles. Naquele contexto, acontece algo espetacular, algo grandioso. Vem o Espírito Santo, e línguas como que de fogo pousaram sobre cada um deles, impelindo-os para uma aventura que nunca teriam sonhado. A situação muda completamente.
Ouvimos três testemunhos; tocamos, com os nossos corações, as suas histórias, as suas vidas. Vimos como eles viveram momentos semelhantes aos dos discípulos, atravessaram momentos em que estiveram cheios de medo, em que parecia que tudo desmoronava. O medo e a angústia, que nascem do facto de uma pessoa saber que saindo de casa pode não ver mais os seus entes queridos, o medo de não se sentir apreciado e amado, o medo de não ter outras oportunidades. Eles partilharam connosco a mesma experiência que fizeram os discípulos, experimentaram o medo que leva ao único lugar possível. Onde nos leva o medo? Ao fechamento. E, quando o medo se esconde no fechamento, fá-lo sempre na companhia da sua «irmã gémea», a paralisia; faz-nos sentir paralisados. Sentir que, neste mundo, nas nossas cidades, nas nossas comunidades, já não há espaço para crescer, para sonhar, para criar, para contemplar horizontes, em suma, para viver, é um dos piores males que nos podem acontecer na vida, sobretudo na juventude. A paralisia faz-nos perder o gosto de desfrutar do encontro, da amizade, o gosto de sonhar juntos, de caminhar com os outros. Afasta-nos dos outros, impede de nos cumprimentarmos, como vimos [na encenação]: todos fechados naqueles cubículos de vidro.
Na vida, porém, há outra paralisia ainda mais perigosa e difícil, muitas vezes, de identificar e que nos custa muito reconhecer. Gosto de a chamar a paralisia que brota quando se confunde a FELICIDADE com um SOFÁ/KANAPA. Sim, julgar que, para ser felizes, temos necessidade de um bom sofá. Um sofá que nos ajude a estar cómodos, tranquilos, bem seguros. Um sofá – como os que existem agora, modernos, incluindo massagens para dormir – que nos garanta horas de tranquilidade para mergulharmos no mundo dos videojogos e passar horas diante do computador. Um sofá contra todo o tipo de dores e medos. Um sofá que nos faça estar fechados em casa, sem nos cansarmos nem nos preocuparmos. Provavelmente, o «sofá-felicidade/kanapa-szczęście» é a paralisia silenciosa que mais nos pode arruinar, que mais pode arruinar a juventude. «E porque acontece isto, padre?» Porque pouco a pouco, sem nos darmos conta, encontramo-nos adormecidos, encontramo-nos pasmados e entontecidos. Anteontem falei dos jovens aposentados aos vinte anos; hoje falo dos jovens adormecidos, pasmados, entontecidos, enquanto outros – talvez os mais vivos, mas não os melhores – decidem o futuro por nós. Certamente, para muitos, é mais fácil e vantajoso ter jovens pasmados e entontecidos que confundem a felicidade com um sofá; para muitos, isto resulta mais conveniente do que ter jovens vigilantes, desejosos de responder, de responder ao sonho de Deus e a todas as aspirações do coração. Vós – pergunto eu, pergunto a vós – quereis ser jovens adormecidos, pasmados, entontecidos? [Não!] Quereis que outros decidam o futuro por vós? [Não!] Quereis ser livres? [Sim!] Quereis estar vigilantes? [Sim!] Quereis lutar pelo vosso futuro? [Sim!] Não vos vejo muito convencidos… Quereis lutar pelo vosso futuro? [Sim!]
Mas a verdade é outra! Queridos jovens, não viemos ao mundo para «vegetar», para transcorrer comodamente os dias, para fazer da vida um sofá que nos adormeça; pelo contrário, viemos com outra finalidade, para deixar uma marca. É muito triste passar pela vida sem deixar uma marca. Mas, quando escolhemos a comodidade, confundindo felicidade com consumo, então o preço que pagamos é muito, mas muito caro: perdemos a liberdade. Não somos livres para deixar uma marca. Perdemos a liberdade. Este é o preço. E há tantas pessoas cuja vontade é que os jovens não sejam lives, há tantas pessoas que não vos amam, que vos querem entontecidos, pasmados, adormecidos, mas… livres, nunca! Não; isso não! Devemos defender a nossa liberdade.
É precisamente aqui que existe uma grande paralisia: quando começamos a pensar que a felicidade é sinónimo de comodidade, que ser feliz é caminhar na vida adormentado ou narcotizado, que a única maneira de ser feliz é estar como que entorpecido. É certo que a droga faz mal, mas há muitas outras drogas socialmente aceitáveis, que acabam por nos tornar em todo o caso muito mais escravos. Umas e outras despojam-nos do nosso bem maior: a liberdade. Despojam-nos da liberdade.
Amigos, Jesus é o Senhor do risco, o Senhor do sempre «mais além». Jesus não é o Senhor do conforto, da segurança e da comodidade. Para seguir a Jesus, é preciso ter uma boa dose de coragem, é preciso decidir-se a trocar o sofá por um par de sapatos que te ajudem a caminhar por estradas nunca sonhadas e nem mesmo pensadas, por estradas que podem abrir novos horizontes, capazes de contagiar-te a alegria, aquela alegria que nasce do amor de Deus, a alegria que deixa no teu coração cada gesto, cada atitude de misericórdia. Caminhar pelas estradas seguindo a «loucura» do nosso Deus, que nos ensina a encontrá-Lo no faminto, no sedento, no maltrapilho, no doente, no amigo em maus lençóis, no encarcerado, no refugiado e migrante, no vizinho que vive só. Caminhar pelas estradas do nosso Deus, que nos convida a ser atores políticos, pessoas que pensam, animadores sociais; que nos encoraja a pensar uma economia mais solidária do que esta. Em todos os campos onde vos encontrais, o amor de Deus convida-vos a levar a Boa Nova, fazendo da própria vida um dom para Ele e para os outros. Isto significa ser corajosos; isto significa ser livres.
Poderíeis replicar-me: Mas isto, padre, não é para todos; é só para alguns eleitos! Sim, é verdade! E estes eleitos são todos aqueles que estão dispostos a partilhar a sua vida com os outros. Tal como o Espírito Santo transformou o coração dos discípulos no dia de Pentecostes – estavam paralisados –, assim o fez também com os nossos amigos que partilharam os seus testemunhos. Uso as tuas palavras, Miguel: disseste-nos que no dia em que te confiaram, lá na «Fazenda», a responsabilidade de contribuir para o melhor funcionamento da casa, então começaste a compreender que Deus te pedia algo. Assim começou a transformação.
Este é o segredo, queridos amigos, que todos somos chamados a experimentar. Deus espera algo de ti. Ouvistes bem? Deus espera algo de ti, Deus quer algo de ti, Deus está à tua espera. Deus vem quebrar os nossos fechamentos, vem abrir as portas das nossas vidas, das nossas perspetivas, dos nossos olhares. Deus vem abrir tudo aquilo que te fecha. Convida-te a sonhar, quer fazer-te ver que, contigo, o mundo pode ser diferente. É assim: se não deres o melhor de ti mesmo, o mundo não será diverso. É um desafio.
O tempo que hoje estamos a viver não precisa de jovens-sofá/młodzi kanapowi, mas de jovens com os sapatos, ainda melhor, com as sapatilhas calçadas. Este tempo aceita apenas jogadores titulares em campo, não há lugar para reservas. O mundo de hoje pede-vos para serdes protagonistas da história, porque a vida é bela desde que a queiramos viver, desde que queiramos deixar uma marca. Hoje a história pede-nos que defendamos a nossa dignidade e não deixemos que sejam outros a decidir o nosso futuro. Não! Nós é que devemos decidir o nosso futuro; vós, o vosso futuro. O Senhor, como no Pentecostes, quer realizar um dos maiores milagres que podemos experimentar: fazer com que as tuas mãos, as minhas mãos, as nossas mãos se transformem em sinais de reconciliação, de comunhão, de criação. Ele quer as tuas mãos para continuar a construir o mundo de hoje. Quer construí-lo contigo. E tu, que Lhe respondes? Que resposta Lhe dás tu? Sim ou não? [Sim!]
Dir-me-ás: Mas, padre, eu sou muito limitado, sou pecador… que posso fazer? Quando o Senhor nos chama não pensa naquilo que somos, naquilo que éramos, naquilo que fizemos ou deixamos de fazer. Pelo contrário: no momento em que nos chama, Ele está a ver tudo aquilo que poderemos fazer, todo o amor que somos capazes de comunicar. Ele aposta sempre no futuro, no amanhã. Jesus olha-te projetado no horizonte, nunca no museu.
Por isso, amigos, hoje Jesus convida-te, chama-te a deixar a tua marca na vida, uma marca que determine a história, que determine a tua história e a história de muitos.
A vida de hoje diz-nos que é muito fácil fixar a atenção naquilo que nos divide, naquilo que nos separa. Querem fazer-nos crer que fechar-nos é a melhor maneira de nos protegermos daquilo que nos faz mal. Hoje nós, adultos – nós, adultos –, precisamos de vós para nos ensinardes – como estais a fazer hoje – a conviver na diversidade, no diálogo, na partilha da multiculturalidade não como uma ameaça mas como uma oportunidade. E vós sois uma oportunidade para o futuro. Tende a coragem de nos ensinar, tende a coragem de ensinar a nós que é mais fácil construir pontes do que levantar muros! Precisamos de aprender isto. E todos juntos pedimos que nos exijais percorrer as estradas da fraternidade. Sede vós os nossos acusadores, se escolhermos o atalho dos muros, o atalho da inimizade, o atalho da guerra. Construir pontes… Sabeis qual é a primeira ponte a construir? Uma ponte que podemos realizar aqui e agora: um aperto de mão, darmo-nos as mãos. Coragem! Fazei-o agora. Fazei esta ponte humana, dai as mãos, todos vós: é a ponte primordial é a ponte humana, é a primeira, é o modelo. Naturalmente há sempre o risco – como disse no outro dia – de se ficar com a mão estendida; mas, na vida, é preciso arriscar; quem não arrisca, não vence. Com esta ponte, podemos avançar. Fazei aqui esta ponte primordial: dai-vos as mãos. Obrigado! É a grande ponte fraterna, e podem aprender a fazê-la os grandes deste mundo... Não para a fotografia – quando dão as mãos e pensam noutra coisa –, mas para continuar a construir pontes cada vez maiores. Que esta ponte humana seja semente de muitas outras; será uma marca.
Hoje, Jesus, que é o caminho, chama-te – a ti… a ti… a ti… [aponta para cada um] – a deixar a tua marca na história. Ele, que é a vida, convida-te a deixar uma marca que encha de vida a tua história e a de muitos outros. Ele, que é a verdade, convida-te a deixar as estradas da separação, da divisão, do sem-sentido. Aceitais? [Sim!] Aceitais? [Sim!] Que respondem agora – quero ver – as vossas mãos e os vossos pés ao Senhor, que é caminho, verdade e vida? Aceitais? [Sim!] O Senhor abençoe os vossos sonhos. Obrigado!
Fonte: ACI digital
Homilia: Vatican.va
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