Rádio Vaticano (RV) 25/12/2016– O Papa Francisco celebrou a Missa de Natal na noite do dia 24 de dezembro na Basílica de São Pedro.
Em sua homilia, o Pontífice refletiu sobre alguns significados da celebração do nascimento do Menino.
“O Menino que nasce interpela-nos: chama-nos a deixar as ilusões do efêmero para ir ao essencial, renunciar às nossas pretensões insaciáveis, abandonar aquela perene insatisfação e a tristeza por algo que sempre nos faltará. Nos fará bem deixar estas coisas, para reencontrar na simplicidade de Deus-Menino a paz, a alegria, o sentido da vida”.
“Manjedouras de dignidade”
Com o olhar voltado ao Menino, Francisco citou as “miseráveis manjedouras de dignidade” em que se encontram muitas crianças, em um “abrigo subterrâneo para escapar aos bombardeamentos, na calçada de uma grande cidade, no fundo de um barco sobrecarregado de migrantes”.
“O Natal tem sobretudo um sabor de esperança, porque, não obstante as nossas trevas, resplandece a luz de Deus. A sua luz gentil não mete medo; enamorado por nós, Deus atrai-nos com a sua ternura, nascendo pobre e frágil no nosso meio, como um de nós”.
“Deixemo-nos tocar pela ternura que salva”, concluiu o Papa.
Fonte: Radio Vaticano
Homilia na Íntegra:
SANTA MISSA DA NOITE DE NATAL
NATAL DO SENHOR
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana Sábado, 24 de dezembro de 2016
«Manifestou-se a graça de Deus, portadora de salvação para todos os homens» (Tt 2, 11). Estas palavras do apóstolo Paulo revelam o mistério desta noite santa: manifestou-se a graça de Deus, o seu presente gratuito; no Menino que nos é dado, concretiza-se o amor de Deus por nós.
É uma noite de glória, a glória proclamada pelos anjos em Belém e também por nós em todo o mundo. É uma noite de alegria, porque, desde agora e para sempre, Deus, o Eterno, o Infinito, é Deus connosco: não está longe, não temos de O procurar nas órbitas celestes nem em qualquer ideia mística; está próximo, fez-Se homem e não Se separará jamais desta nossa humanidade que assumiu. É uma noite de luz: a luz, profetizada por Isaías e que havia de iluminar quem caminha em terra tenebrosa (cf. 9, 1), manifestou-se e envolveu os pastores de Belém (cf. Lc 2, 9).
Os pastores descobrem, pura e simplesmente, que «um menino nasceu para nós» (Is 9, 5) e compreendem que toda aquela glória, toda aquela alegria, toda aquela luz se concentram num único ponto, no sinal que o anjo lhes indicou: «Encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura» (Lc 2, 12). Este é o sinal de sempre para encontrar Jesus; não só então, mas hoje também. Se queremos festejar o verdadeiro Natal, contemplemos este sinal: a simplicidade frágil dum pequenino recém-nascido, a mansidão que demonstra no estar deitado, a ternura afetuosa das fraldas que O envolvem. Ali está Deus.
E com este sinal, o Evangelho desvenda-nos um paradoxo: fala do imperador, do governador, dos grandes de então, mas Deus não Se apresentou lá; não aparece no salão nobre dum palácio real, mas na pobreza dum curral; não nos fastos ilusórios, mas na simplicidade da vida; não no poder, mas numa pequenez que nos deixa surpreendidos. E, para O encontrar, é preciso ir aonde Ele está: é preciso inclinar-se, abaixar-se, fazer-se pequenino. O Menino que nasce interpela-nos: chama-nos a deixar as ilusões do efémero para ir ao essencial, renunciar às nossas pretensões insaciáveis, abandonar aquela perene insatisfação e a tristeza por algo que sempre nos faltará. Far-nos-á bem deixar estas coisas, para reencontrar na simplicidade de Deus-Menino a paz, a alegria, o sentido luminoso da vida.
Deixemo-nos interpelar pelo Menino na manjedoura, mas deixemo-nos interpelar também pelas crianças que, hoje, não são reclinadas num berço nem acariciadas pelo carinho duma mãe e dum pai, mas jazem nas miseráveis «manjedouras de dignidade»: no abrigo subterrâneo para escapar aos bombardeamentos, na calçada duma grande cidade, no fundo dum barco sobrecarregado de migrantes. Deixemo-nos interpelar pelas crianças que não se deixam nascer, as que choram porque ninguém lhes sacia a fome, aquelas que na mão não têm brinquedos, mas armas.
O mistério do Natal, que é luz e alegria, interpela e mexe connosco, porque é um mistério de esperança e simultaneamente de tristeza. Traz consigo um sabor de tristeza, já que o amor não é acolhido, a vida é descartada. Assim acontece a José e Maria, que encontraram as portas fechadas e puseram Jesus numa manjedoura, «por não haver lugar para eles na hospedaria» (Lc 2, 7). Jesus nasce rejeitado por alguns e na indiferença da maioria. E a mesma indiferença pode reinar também hoje, quando o Natal se torna uma festa onde os protagonistas somos nós, em vez de ser Ele; quando as luzes do comércio põem na sombra a luz de Deus; quando nos afanamos com as prendas e ficamos insensíveis a quem está marginalizado. Esta mundanidade fez refém o Natal; é preciso libertá-lo!
Mas o Natal tem sobretudo um sabor de esperança, porque, não obstante as nossas trevas, resplandece a luz de Deus. A sua luz gentil não mete medo; enamorado por nós, Deus atrai-nos com a sua ternura, nascendo pobre e frágil no nosso meio, como um de nós. Nasce em Belém, que significa «casa do pão»; deste modo parece querer dizer-nos que nasce como pão para nós; vem à nossa vida, para nos dar a sua vida; vem ao nosso mundo, para nos trazer o seu amor. Vem, não para devorar e comandar, mas alimentar e servir. Há, pois, uma linha direta que liga a manjedoura e a cruz, onde Jesus será pão repartido: é a linha direta do amor que se dá e nos salva, que dá luz à nossa vida, paz aos nossos corações.
Compreenderam-no, naquela noite, os pastores, que se contavam entre os marginalizados de então. Mas ninguém é marginalizado aos olhos de Deus, e precisamente eles foram os convidados de Natal. Quem se sentia seguro de si, autossuficiente, ficara em casa com as suas coisas; ao contrário, os pastores «foram apressadamente» (Lc 2, 16). Deixemo-nos, também nós, interpelar e convocar nesta noite por Jesus, vamos confiadamente ter com Ele, a partir daquilo em que nos sentimos marginalizados, a partir dos nossos limites, a partir dos nossos pecados. Deixemo-nos tocar pela ternura que salva. Aproximemo-nos de Deus que Se faz próximo, detenhamo-nos a olhar o presépio, imaginemos o nascimento de Jesus: a luz e a paz, a pobreza extrema e a rejeição. Entremos no verdadeiro Natal com os pastores, levemos a Jesus aquilo que somos, as nossas marginalizações, as nossas feridas não curadas, os nossos pecados. Assim, em Jesus, saborearemos o verdadeiro espírito do Natal: a beleza de ser amado por Deus. Com Maria e José, paremos diante da manjedoura, diante de Jesus que nasce como pão para a minha vida. Contemplando o seu amor humilde e infinito, digamos-Lhe pura e simplesmente obrigado: Obrigado, porque fizestes tudo isto por mim.
Fonte: Vatican.va
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