Depoimento de mulher abusada: estamos aqui para renascer das nossas feridas


Depois da oração que concluiu o segundo dia do encontro sobre a Proteção dos Menores, uma mulher deu um testemunho dramático e comovente. Desde os onze anos e por cinco anos sofreu abusos por parte de um sacerdote de sua paróquia que destruiu sua vida. Os sentimentos de culpa e a consequências afetivas. O percurso para reconstruir identidade, dignidade e fé

Cidade do Vaticano

“Desde então – contou – eu que adorava cores e estava sempre brincando alegre e despreocupada, deixei de existir”. No final de cada abuso – contou – “retomava o meu corpo ferido e humilhado e ia embora pensando que não fosse verdade, que tinha imaginado tudo. Mas como eu podia, criança, entender o que tinha acontecido? Pensava: “Certamente deve ser minha culpa!” ou “será que mereci este mal? Estes pensamentos – sublinhou – são as maiores dilacerações que o abuso e o abusador insinuam no teu coração, mais do que as próprias feridas que dilaceram o corpo. Sentia que não eu valia mais nada, nem mesmo para viver. Queria morrer: tentei… mas não consegui”.

As consequências dos abusos

Depois a mulher recordou os efeitos devastadores daqueles abusos: distúrbios alimentares, hospitalizações: todas manifestações do seu mal estar enquanto que, completamente só, calava a sua dor. Tudo era atribuído à ânsia pela escola que de improviso baixou seu rendimento.

Uma vida afetiva e familiar destruída pela dramática experiência

Com o primeiro namoro veio à tona uma realidade insuportável. “Para não sentir a dor, o nojo, a confusão, o medo, a vergonha, a impotência, a inadequação – recordou – a minha mente eliminou os fatos acontecidos, anestesiou o meu corpo colocando distâncias emotivas em relação a tudo o que me fazia sentir destruída”. Quando fiz o primeiro parto tudo voltou à mente: o trabalho de parto bloqueado, o filho em perigo, a lactação impossível pelas terríveis lembranças que voltavam com insistência. “Pensei que tinha enlouquecido” confessou. Quando confessou tudo ao marido, a confissão foi usada contra ela durante a separação, porque, em nome do abuso sofrido, ele pediu que lhe fosse tirada a perda da guarda do filho por ser mãe indigna.

Não deixar aos que abusam o poder do seu silêncio

Depois, graças a escuta paciente de uma pessoa amiga, a mulher encontrou coragem para escrever uma carta ao sacerdote abusador, concluindo com a promessa de jamais deixá-lo com o poder do seu silêncio. “Desde então e até hoje, continuo fazendo um difícil percurso de reelaboração para reconstruir em mim mesma identidade, dignidade e fé. O abuso cria um dano imediato, mas não é só isso: deve-se conviver com isso… para sempre”! Pode-se apenas aprender, se conseguir, a deixar-se ferir menos”.

Uma infinidade de perguntas às quais não encontra resposta

“Por que eu?”, perguntava-se, ou senão: “Onde estava Deus?”. “Quanto eu chorei com esta pergunta!” confessou. “Não tinha mais confiança no Homem e em Deus, no Pai-bom que protege os pequenos e os fracos. Eu, como criança, tinha certeza que nada de mal poderia vir de um homem que representava Deus! Como podia a mesmas mãos que tinham ousado tanto sobre mim, abençoar e oferecer a Eucaristia? Ele adulto e eu criança… tinha aproveitado do seu poder e do seu papel: um verdadeiro abuso de fé! E também: como fazer para superar a raiva e não se afastar da Igreja – perguntou-se – depois de uma experiência dessas principalmente diante da gravíssima incoerência com o que pregava e fazia o meu abusador. Também diante dos que, perante esses crimes, minimizam, escondem, mandam calar, ou ainda pior não defendem os pequenos, limitando-se com mesquinhez a deslocar os sacerdotes para fazerem dano em outros lugares? Diante disso, nós vítimas inocentes, sentimos amplificada a dor que nos matou: isso também é um abuso à nossa dignidade humana, à nossa consciência, assim como à nossa fé! Nós vítimas, se conseguirmos ter força de falar e denunciar, devemos encontrar coragem de fazê-lo mesmo sabendo que corremos o risco de não sermos acreditados ou de ter que ver o abusador receber uma pequena sentença canônica. Isso não pode e não deve ser assim!”.

40 anos para encontrar a força para denúncia

“Queria romper o silêncio com o qual se nutre todas as formas de abuso, queria recomeçar com um ato de verdade, descobrindo mais tarde que este ato oferecia uma oportunidade também ao meu abusador”, continuou. O procedimento de denúncia foi vivido com um custo emotivo muito alto, principalmente encontrou dificuldade de falar com seis pessoas com grande sensibilidade, mas apenas homens, principalmente sacerdotes. “Acredito – sustentou – que uma presença feminina seria uma atenção necessária assim como indispensável para acolher, escutar e acompanhar nós vítimas. Aquela parte de mim que sempre esperou que o abuso nunca tivesse acontecido, teve que se render, mas ao mesmo tempo recebeu uma carícia. Agora sei eu sou outra, além do abuso que sofri e as cicatrizes que carrego”.
A vítima não é culpada pelo seu silêncio! As feridas não são prescritíveis

“A Igreja – sublinhou – deve se orgulhar pela possibilidade de proceder em derrogação no tempo de prescrição, mas não do fato de reconhecer como atenuante, para quem abusa, a entidade do tempo passado entre os fatos e a denúncia (como no meu caso). A vítima não é culpada pelo seu silêncio! O trauma e os danos sofridos aumentam a medida que o tempo do silêncio aumenta, que a vítima permanece entre o medo, vergonha, remoção e sentido de impotência. As feridas jamais vão em prescrição, ao contrário!”.

Recomeçar com quem não superou, para renascer das próprias feridas

“Hoje estou aqui – concluiu – e comigo há meninos e meninas abusadas, mulheres e homens que tentam renascer das suas feridas, mas há, principalmente, os que tentaram mas não conseguiram e daqui, com seus corações, devemos recomeçar juntos”.

Fonte: Vatican News

Jovem vítima: o mundo não tinha sentido, mas reencontrei a esperança

O encontro sobre “A proteção dos menores na Igreja” foi enriquecido pelo testemunho comovente intitulado “A ponte que fez a diferença”, de um jovem proveniente da Ásia.

Amedeo Lomonaco/Mariangela Jaguraba – Cidade do Vaticano

O testemunho de um jovem asiático teve forma e estilo de uma poesia. Os seus foram versos que brotaram do coração e contaram uma história de sofrimento e abusos, mas também de perdão e reconciliação.

As primeiras sombras dramáticas começam quando era criança. Recorda que depois de entrar num instituto para receber uma formação católica, foi “despojado da própria inocência”.
A ponte que fez a diferença

Um menino nasceu e entrou num mundo que era novo. Era um desafio como para um recém-nascido. Quem teria pensado que este mundo lhe traria surpresas e perigos não procurados!

A busca por uma boa formação católica fez com que fosse embora de um ambiente feliz e saudável. Era por uma razão justa, e dolorosamente ele disse adeus a tudo o que conhecia: pais, irmãos, amor, cuidado, proteção e tudo mais.

Com apenas cinco anos, num mundo desconhecido, entrou cheio de inocência e medo em aulas que eram novas para ele. Sentia a falta de sua casa e ali buscava amigos e pessoas que fossem para ele como pais. Essa substituição lhe foi fatal, porque para ele que eram jovem os desejos deles eram estranhos.

Despojado de sua inocência, abandonado ao seu destino neste mundo adulto, não encontrou esperança e tornou-se solitário. Com o passar dos anos estava destruído. Mas não podia contar para ninguém, por medo de desonra e vergonha.

Aprendendo mais sobre “os valores cristãos”, retirou-se do mundo na segurança de seu silêncio, escondido em si mesmo, pois o segredo era a sua única saída.

Perguntou-se várias vezes: o que é este mundo? Não tinha sentido e nem lhe dava esperança. Uma vez começou a refletir numa ponte e se perguntou: “Como mudar este percurso em descida, mudar a ordem das coisas? Nunca houve uma resposta.

Quem poderia saber o que tinha vivido? Quem teria perguntado? Quem assumiria a responsabilidade por esta vida que parecia perdida?

Nada em sua vida permaneceu intacto. Tudo estava manchado. Deus esteve lá? Pois seria o único a saber de tudo.

A ponte que contemplava mostrou-lhe o caminho, um caminho que era diferente e deu frutos, quando sentiu em seu coração barulhento e atormentado uma voz que lhe pedia uma mudança.

Uma viagem que começou para realizar o que a voz lhe tinha dito. Um caminho de perdão, um caminho de reconciliação, um caminho para aceitar a vida como era: cheia de feridas, dores e desolação.

Aquela nova estrada de descida da ponte foi longa e difícil. Tocava a essência da vida. Mas havia uma estrada, uma diferente. Um caminho que cura, uma cura que leva tempo. Amoleceu o seu coração endurecido e transformou a vida que tinha vivido. Quebrou a concha em que vivia para caminhar livremente e dizer ao mundo: “Há um caminho”. Esta é a sua história.

Mas agora, quem assumirá a responsabilidade por vidas destruídas? Há um caminho! Há uma oportunidade! Há uma esperança! Há vida! Restituam o que foi perdido! Mostrem que vocês se importam! Porque tudo o que fizerem resgatará muitos gritos silenciosos que esperam o dia da salvação.

(Testemunho de um jovem asiático)

Fonte: Vatican News

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