Papa Francisco pronuncia discurso ao Patriarca Daniel da Igreja Ortodoxa da Romênia. Foto: Captura de Youtube
BUCAREST, 31 Mai. 19 / 11:01 am (ACI).- O Papa Francisco realizou uma histórica visita aos líderes da Igreja Ortodoxa da Romênia, em Bucareste, durante seu primeiro dia da viagem apostólica a este país europeu.
Após se reunir com o Patriarca Daniel em privado, o Santo Padre encontrou o Sínodo permanente da Igreja Ortodoxa Romena no Palácio do Patriarcado, aos quais incentivou a “caminhar juntos” contra “a cultura do ódio” e do individualismo.
Em seu discurso, o Pontífice assinalou que “precisamos de nos ajudar a não ceder às seduções de uma ‘cultura do ódio’ e do individualismo que, embora talvez já não seja ideológica como nos tempos da perseguição ateia, todavia é mais persuasiva e igualmente materialista”.
Assim, o Papa Francisco incentivou a Igreja Ortodoxa a caminhar juntos em favor da sociedade e da família, para “sair ao encontro das fadigas dos nossos irmãos e irmãs, especialmente os mais jovens, não desanimados e nostálgicos como os discípulos de Emaús, mas com o desejo de comunicar Jesus Ressuscitado, coração da esperança”.
“Precisamos de voltar a escutar, juntamente com o irmão, as palavras do Senhor, para que o coração se inflame conjuntamente e não enfraqueça o anúncio”, expressou.
A seguir, o texto completo do discurso do Papa Francisco:
Beatitude, venerados Metropolitas e Bispos do Santo Sínodo,
Cristos a înviat! [Cristo ressuscitou!] A ressurreição do Senhor é o coração da proclamação apostólica, transmitida e guardada pelas nossas Igrejas. No dia de Páscoa, os Apóstolos ficaram cheios de alegria ao ver o Ressuscitado (cf. Jo 20, 20). Neste tempo de Páscoa, rejubilo também eu ao contemplar um reflexo disso mesmo nos vossos rostos, queridos Irmãos. Há vinte anos, diante deste Sínodo, disse o Papa João Paulo II: «Vim contemplar o Rosto de Cristo esculpido na vossa Igreja; vim venerar este Rosto sofredor, penhor duma esperança renovada» [Discurso ao Patriarca Teoctist e ao Santo Sínodo, 8/V/1999, n. 3: Insegnamenti di Giovanni Paolo II XXII/1 (1999), 938]. Também eu, desejoso de ver o rosto do Senhor no rosto dos irmãos, vim aqui, peregrino, para vos ver; de coração, agradeço a vossa recepção.
Os vínculos de fé que nos unem, remontam aos Apóstolos, testemunhas do Ressuscitado, em particular ao laço que unia Pedro e André, o qual – segundo a tradição – trouxe a fé a estas terras. Irmãos de sangue (cf. Mc 1, 16), foram-no também e de forma singular ao derramarem o seu sangue pelo Senhor. Lembram-nos que existe uma fraternidade do sangue que nos antecede e que ao longo dos séculos, como uma silenciosa corrente vivificante, nunca cessou de irrigar e sustentar o nosso caminho.
Aqui – como em tantos outros lugares, nos nossos dias – experimentastes a Páscoa de morte e ressurreição: muitos filhos e filhas deste país, de várias Igrejas e comunidades cristãs, sofreram a sexta-feira da perseguição, atravessaram o sábado do silêncio, viveram o domingo do renascimento. Quantos mártires e confessores da fé! Em tempos recentes, muitos de diferentes Confissões encontraram-se lado a lado nas prisões, sustentando-se mutuamente. O seu exemplo está hoje diante de nós e das novas gerações que não conheceram aquelas condições dramáticas. Aquilo por que sofreram, até dar a vida, é uma herança demasiado preciosa para ser esquecida ou aviltada. E é uma herança comum, que nos chama a não nos distanciarmos do irmão que a partilha. Unidos a Cristo no sofrimento e na aflição, unidos por Cristo na Ressurreição, para que «também nós caminhemos numa vida nova» (Rm 6, 4).
Beatitude, Irmão querido, há vinte anos o encontro entre os nossos Predecessores foi um dom pascal, um acontecimento que contribuiu não só para o reflorescimento das relações entre ortodoxos e católicos na Romênia, mas também para o diálogo entre católicos e ortodoxos em geral. Aquela viagem – a primeira que um bispo de Roma dedicava a um país de maioria ortodoxa – abriu o caminho para outros eventos semelhantes. O meu pensamento dirige-se para o Patriarca Teoctist, de grata memória. Como não recordar o grito «unitate, unitate!» que se levantou, espontâneo, aqui em Bucareste naqueles dias? Foi um anúncio de esperança nascido do Povo de Deus, uma profecia que inaugurou um tempo novo: o tempo de caminhar juntos na redescoberta e avivamento da fraternidade que já nos une.
Caminhar juntos com a força da memória. Não a memória dos agravos sofridos e infligidos, dos juízos e preconceitos, que nos fecham num círculo vicioso e levam a atitudes estéreis, mas a memória das raízes: os primeiros séculos em que o Evangelho, anunciado com audácia e espírito de profecia, encontrou e iluminou novos povos e culturas; os primeiros séculos dos mártires, dos Santos Padres e dos confessores da fé, da santidade diariamente vivida e testemunhada por tantas pessoas simples que partilham o mesmo Céu. Graças a Deus, as nossas raízes apresentam-se sãs e firmes e, embora o crescimento tenha conhecido as distorções e os transes do tempo, somos chamados – como o salmista – a conservar grata recordação de tudo aquilo que operou em nós o Senhor, a elevar-Lhe um hino de louvor de uns pelos outros (cf. Sal 77, 6.12-13). A lembrança dos passos que demos juntos encoraja-nos a continuar rumo ao futuro com a consciência – certamente – das diferenças, mas sobretudo na ação de graças dum ambiente familiar que deve ser redescoberto, na memória de comunhão que se deve reavivar, que como lâmpada projete luz sobre os passos do nosso caminho.
Caminhar juntos na escuta do Senhor. Serve-nos de exemplo aquilo que o Senhor fez no dia de Páscoa, ao caminhar com os discípulos pela estrada de Emaús. Estes falavam de tudo o que sucedera, das suas preocupações, dúvidas e questões. O Senhor escutou-os pacientemente e conversou francamente com eles, ajudando-os a entender e discernir os acontecimentos (cf. Lc 24, 15-27).
Também nós precisamos de escutar juntos o Senhor, sobretudo nestes últimos tempos em que as estradas do mundo levaram a rápidas mudanças sociais e culturais. Muitos beneficiaram do desenvolvimento tecnológico e do bem-estar econômico, mas a maioria permaneceu inexoravelmente excluída, ao mesmo tempo que uma globalização niveladora contribuiu para erradicar os valores dos povos, enfraquecendo a ética e a convivência, inquinada nos últimos anos por uma difusa sensação de medo, muitas vezes pilotado, que leva a atitudes de fechamento e ódio.
Precisamos de nos ajudar a não ceder às seduções duma «cultura do ódio» e do individualismo que, embora talvez já não seja ideológica como nos tempos da perseguição ateia, todavia é mais persuasiva e igualmente materialista. Muitas vezes apresenta como caminho de desenvolvimento aquilo que aparece imediato e resolutivo, mas na realidade é indiferente e superficial. A fragilidade dos laços, que acaba por isolar as pessoas, repercute-se particularmente na célula fundamental da sociedade, a família, e pede-nos o esforço de sair ao encontro das fadigas dos nossos irmãos e irmãs, especialmente os mais jovens, não desanimados e nostálgicos como os discípulos de Emaús, mas com o desejo de comunicar Jesus Ressuscitado, coração da esperança. Precisamos de voltar a escutar, juntamente com o irmão, as palavras do Senhor, para que o coração se inflame conjuntamente e não enfraqueça o anúncio (cf. Lc 24, 32.35).
O caminho alcança a meta, como em Emaús, através da súplica insistente ao Senhor para que fique conosco (cf. Lc 24, 28-29). Revelando-Se ao partir o pão (cf. Lc 24, 30-31), Ele chama-nos à caridade: a servir juntos, a «dar Deus» antes de «dizer Deus»; a não nos mostrarmos passivos no bem, mas prontos a levantar-nos e partir, ativos e colaboradores (cf. Lc 24, 33). Neste sentido, dão-nos exemplo as várias comunidades ortodoxas romenas, que colaboram de forma excelente com as numerosas dioceses católicas da Europa ocidental, onde estão presentes. Em muitos casos, desenvolveu-se uma relação de mútua confiança e amizade, alimentada por gestos concretos de hospitalidade, apoio e solidariedade. Deste modo, frequentando-se mutuamente, muitos católicos e ortodoxos romenos descobriram que não são estranhos, mas irmãos e amigos.
Caminhar juntos para um novo Pentecostes. O trajeto que nos espera estende-se da Páscoa ao Pentecostes: daquela aurora pascal da unidade, surgida aqui há vinte anos, encaminhamo-nos para um novo Pentecostes. Para os discípulos, a Páscoa marcou o início dum novo caminho, do qual, porém, não tinham desaparecido temores e incertezas. Foi assim até ao Pentecostes quando – reunidos à volta da Santa Mãe de Deus – os Apóstolos, num só Espírito e numa pluralidade e riqueza de línguas, testemunharam o Ressuscitado com a palavra e a vida.
O nosso caminho partiu da certeza de ter ao lado o irmão que partilha a fé fundada na ressurreição do mesmo Senhor. Da Páscoa ao Pentecostes: tempo de nos recolhermos em oração sob a proteção da Santa Mãe de Deus, tempo de invocar o Espírito uns para os outros. Que nos renove o Espírito Santo, que desdenha a uniformidade e gosta de plasmar a unidade na mais bela e harmoniosa diversidade. O seu fogo consuma as nossas desconfianças; o seu vento varra as reticências que nos impedem de testemunhar juntos a vida nova que nos dá. Que Ele, artífice de fraternidade, nos dê a graça de caminhar juntos. Ele, criador da novidade, nos faça corajosos em experimentar caminhos inéditos de partilha e missão. Que Ele, força dos mártires, nos ajude a não tornar infecundo o seu sacrifício.
Amados Irmãos, caminhemos juntos para louvor da Santíssima Trindade e para benefício mútuo, a fim de ajudar os nossos irmãos a verem Jesus. Renovo-vos a minha gratidão e asseguro-vos o afeto, a amizade e a oração meus e da Igreja Católica.
Fonte: ACI digital
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