Carta Apostólica, Constituição, Bula, Breve, Motu Proprio, Rescrito e Encíclica?
Muitos leitores nos perguntam quais são os documentos que o Papa usa, e quais as diferenças de um para outro. Os documentos pontifícios são designados por diversos nomes: Bula (o mais importante de todos os títulos), Breve (Bula menos longa), Rescrito (resposta a uma pergunta ou solicitação), Motu Próprio (Carta de iniciativa do próprio Papa), Encíclica (Carta Circular que orienta os fiéis). As definições sobre fé e à Moral (dogmas) são geralmente publicadas sob forma de Bula. Transcrevemos aqui parte do que ensina D. Estevão Bettencourt em um artigo da Revista “Pergunte e Responderemos” (Nº 483 – Ano : 2002 – pág. 344)
Qual a autoridade dos documentos pontifícios? Os pronunciamentos do Papa, quando exerce o seu magistério, exigem respeito e acatamento. Todos eles são importantes, mas uma Bula tem mais peso do que uma Encíclica. No entanto, para o mesmo efeito pode o Papa usar documentos diferentes; assim Pio IX definiu o dogma da Imaculada Conceição mediante a Bulla Ineffabilis Deus em 1854, ao passo que Pio XII definiu a Assunção de Maria mediante a Carta Apostólica Munificentissimus Deus em 1950;
A Lumen Gentium (25) diz o seguinte:
“O magistério supremo (do Papa) seja reverentemente reconhecido, suas sentenças sinceramente acolhidas, sempre de acordo com sua mente e vontade. Esta mente e vontade consta principalmente ou da índole dos documentos ou da frequente proposição de uma mesma doutrina ou de sua maneira de falar”.
O Código de Direito Canônico distingue entre assentimento de fé e religioso obséquio: “Não assentimento de fé, mas religioso obséquio de inteligência e vontade deve ser prestado à doutrina que o Sumo Pontífice ou o Colégio dos Bispos, ao exercerem o magistério autêntico, enunciam sobre a fé e os costumes, mesmo quando não tenham a intenção de proclamá-la por ato definitivo; portanto os fiéis procurem evitar tudo o que não esteja de acordo com ela” (Cânon 752).
Jesus garantiu a infalibilidade da Igreja em assuntos de fé e de moral. “Estarei convosco até a consumação dos séculos” (Mt 28,20). Como então, a Igreja pode errar o caminho da salvação? Na Última Ceia ele garantiu aos Apóstolos que o Espírito Santo lhes ensinaria “toda a verdade” (Jo 14, 15.25; 16,12-13). Consciente do valor destas palavras, a Igreja inteira – hierarquia e fiéis – crê e professa a verdade revelada.
Principais documentos usados pelo Papa:
Cartas Apostólicas
Carta Apostólica é denominação genérica. Apostólica aqui significa “do Apóstolo Pedro, que fala por seu sucessor”.
As Cartas Apostólicas simplesmente ditas podem tratar de assuntos ligados ao governo da Igreja: nomeação de Bispos, Cardeais, criação de nova diocese, canonização de algum(a) Santo(a), temas doutrinários ou morais, comemoração de alguma data ou de evento importante…
Constituição
É um documento de grande autoridade, que pode ser sobre os mais diversos temas: – Constituição Dogmática (tais são a Lumen Gentium, a Gaudium et Spes, a Sacrosanctum Concillum, a Dei Verbum, do Concílio do Vaticano II, promulgadas pelo Papa Paulo VI)…
– Constituição Apostólica: pode ser relativa ao governo da Igreja; por exemplo: a Const. Regimini Ecclesiae Universae, de Paulo VI, datada de 1967, a Const. Pastor Bonus de João Paulo II, promulgada em 1968… Pode versar também sobre a Liturgia; assim a Const. Divini Cultus, de Pio XI, promulgada em 1928. Sobre estudos e formação doutrinária existe a Const. Deus Scientiarum Dominus, de Pio XI, datada de 1931.
Bula
Na Roma antiga, “bulla” significava um pequeno globo de metal vazio, que os vencedores de um prémio traziam pendente do pescoço. A partir do século VI os Papas empregaram a bula (portadora do nome do Papa respectivo) a fim de autenticar os seus documentos; Bulla conseqüentemente passou a designar o selo ou sinete do Papa. A partir do século XIII Bula designa não apenas o globo de metal, mas a própria carta à qual ele se prende. – Por Bula o Papa geralmente exprime algo de muito solene, tal foi o caso da Bula Ineffabilis Deus, que em 1854 formulou a definição do dogma da Imaculada Conceição. Por Bula o Papa convoca os participantes de um Concílio geral, cria ou desmembra uma diocese.
A Bula começa pelo nome do Papa, dito servus servorum Dei (servo dos servos de Deus), segue-se uma saudação e o conteúdo do documento. Utiliza-se o pergaminho. Outrora a letra era de tipo gótico e apresentava diversas abreviações, que tornavam difícil a leitura do documento. Leão XIII, em 1878, determinou que se utilizasse a escrita comum. Até 1º de janeiro de 1908 as Bulas eram datadas a partir de 25 de março (solenidade da Encarnação) e os dias eram contados segundo a nomenclatura romana (kalendas, idus, nonas); Pio X determinou a contagem dos dias segundo a terminologia corrente na sociedade atual. As Bulas de muito grande importância têm, pendentes de cordões coloridos, um globo de chumbo no qual está gravada a imagem das cabeças de São Pedro e São Paulo.
Breve
O Breve é um documento normalmente mais curto e menos solene do que uma Bula, que normalmente trata de estões privadas, como dispensa de irregularidades para exercer alguma função na Igreja, dispensa de certos impedimentos do matrimônio, autorização de oratório doméstico com o Santíssimo Sacramento, autorização para vender bens da Igreja, outros benefícios e favores especiais.
A Santa Sé pode responder a uma petição mediante um Rescrito; uma breve resposta da à petição. Bula e Breve são asa vezes equivalentes. Por exemplo, mediante um Breve Pio IX em 1850 restaurou a hierarquia episcopal na Inglaterra, mas foi mediante uma Bula que Leão XIII a restabeleceu na Escócia em 1878. A Companhia de Jesus foi reconhecida e aprovada oficialmente por uma Bula de Paulo III em 1540; foi extinta por um Breve de Clemente XIV em 1773 e finalmente restaurada por uma Bula de Pio VII em 1814.
Num Breve o nome do Papa é colocado no alto e no centro com o seu número de ordem (assim João Paulo II). O destinatário é designado por um vocativo: Dilecte Fili (Dileto Filho); após o quê há uma saudação: Salutem et Apostolicam Benedictionem, ou a afirmação de perpetuidade: Ad perpetuam rei memoriam. O Breve termina com a indicação da data e a menção do anel do Pescador (Pedro): Datum Romae, apud Sanctum Petrum, sub annulo Piscatoris, die… O papel utilizado é branco e liso; os caracteres são os da escrita corrente, com acentuação e pontuação.
Motu Proprio
Motu Proprio (do latim motivo próprio) é o documento que por iniciativa do próprio Papa, com pleno conhecimento de causa. É um documento cujo conteúdo o Papa quer recomendar com particular empenho. Tal tipo de documento traz sempre em seu título a cláusula Motu Proprio sobre alguns aspectos da celebração do sacramento de Penitência, datado de 7 de abril de 2002 e assinado por João Paulo II. Os primeiros documentos deste tipo apareceram durante o pontificado de Inocêncio VIII (1484-1492). Faziam contraste às Cartas Decretais, que eram sempre a resposta dada a alguma questão levantada e indicavam como o Direito deveria ser aplicado em determinadas circunstâncias. O Motu Proprio, publicado sem nome de destinatário, tinha alcance mais amplo.
O Motu Proprio pode abordar temas importantes e introduzir novas disposições legislativas. Assim Paulo VI pelo Motu Proprio de 6 de agosto de 1966 “Ecclesiae Sanctae” modificou alguns traços do Direito Canônico; aos 28 de março de 1971 também por remanejou normas do procedimento que investiga a nulidade de um casamento.
Rescrito
Rescrito vem do latim rescribere, que significa responder por escrito a uma carta ou a uma pergunta escrita.
Em Roma chamavam-se rescripta as respostas que davam os imperadores às questões de Direito sobre as quais eram consultados. No Direito Canônico tal palavra teve significados diversos no decorrer dos séculos. O atual Código assim a define:
“Por rescrito entende-se o ato administrativo baixado por escrito pela competente autoridade executiva, mediante o qual, por sua própria natureza, se concede privilégio, dispensa ou outra graça, a pedido de alguém” (cânon 59 § 1º).
Pode acontecer que no texto do rescrito venha inserida a cláusula motu Proprio, ficando assim enfatizado que o favor é concedido com benevolência particular, sem que se receiem os obstáculos que poderiam entravar a concessão.
Tendo em vista a matéria dos rescritos, distinguem-se rescritos de justiça e rescritos de graças; à primeira categoria pertencem todos aqueles que dizem respeito à administração da justiça como aqueles que permitem introduzir uma causa no Tribunal da Santa Sé desde a primeira instância. A Segunda categoria compreende os demais tipos de matéria.
Também é de notar que alguns rescritos concedem o favor “de maneira graciosa”, ou seja, diretamente ao beneficiário; outros há que confiam ao Bispo local ou a algum intermediário o encargo de conceder o favor solicitado.
Encíclica
Encíclica é uma Circular. Já nos primeiros séculos da Igreja os Bispos escreviam cartas circulares aos seus irmãos no episcopado a respeito de assuntos doutrinários ou disciplinares; assim fazia S. Atanásio (?373), tendo em mira a heresia ariana que, fazendo do Filho a primeira criatura do Pai, ameaçava a integridade da fé. Ora o que um Bispo efetuava em relação ao seus vizinhos, o Pontífice Romano teve a oportunidade de o fazer em relação à Igreja inteira, ficando o termo (carta) encíclica reservado aos escritos papais, ao passo que os demais Bispos escrevem Cartas Pastorais.
Somente no século XVIII, sob o pontificado de Bento XIV (1740-1758), a encíclica passou a ser entendida como em nossos dias, a saber: como a forma mais pessoal e espontânea pela qual o Papa exerce seu ministério de Pastor universal. A partir de Gregório XVI (1831-46), os Papas têm multiplicado as suas encíclicas, de modo que através delas se pode acompanhar a vida da Igreja. Em latim distinguem-se Litterae encyclicae (Carta encíclica) e epistula encyclica (epístula encíclica). Esta última tem destinatários mais restritos e conteúdo menos importante.
Geralmente as encíclicas se dirigem aos Patriarcas, Arcebispos, Bispos, Presbíteros, Filhos e Filhas da Igreja; todavia o círculo pode-se alargar para compreender também os homens de boa vontade (ver a enc. Redempto Hominis de João Paulo II), como pode estreitar-se, abrangendo apenas o episcopado e os fiéis de uma nação, usando a língua de tal povo. Foi isto que aconteceu na encíclica de Pio XI Non abbiamo bisogno (20/06/31) sobre o fascismo e na encíclica Mit brennender Sorge do mesmo Papa (21/03/37) sobre o nacional-socialismo. Quando redigida em latim (língua habitual), a encíclica é muitas vezes acompanhada de uma tradução italiana. Pode-se acrescentar que as encíclicas são designadas por suas duas ou três palavras iniciais.
As encíclicas não promulgam definições dogmáticas; abordam, sim, algum ponto doutrinário que esteja sendo mal entendido; propõem orientações em situação difícil, exaltam a figura de algum(a) Santo(a), procurando sempre fortalecer a vida cristã do povo de Deus.
Embora não contenham definições infalíveis; as encíclicas merecem respeito e submissão, que levam a nada dizer ou escrever em contrário ao ensinamento de alguma encíclica. Afirma Pio XII na enc. Humani generis (12/08/1950):
“Não se deve julgar que o que vem proposto nas encíclicas não exige assentimento, sob o pretexto de que os Papas aí não exercem o supremo poder do seu magistério”.
“Se os Papas em seus atos proferem um juízo sobre temática até então controvertida, todos hão de compreender que essa matéria, segundo o pensamento e a vontade do Sumo Pontífice, já não deve ser considerada matéria de livre discussão entre os teólogos”.
Prof. Felipe Aquino
Fonte: Cleófas
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