Foto: Afipe/Divulgação
Ao todo, operação apura desvio de R$ 120 milhões da associação presidida por padre Robson, em Trindade.
Por Danielle Oliveira e Guilherme Rodrigues, G1 GO
21/08/2020 18h58
Atualizado há 15 minutos
O Padre Robson pediu afastamento de suas funções do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno e da Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), após investigação de desvio de R$ 120 milhões de doações de fiéis em Trindade, na Região Metropolitana de Goiânia. A informação divulgada pela Arquidiocese de Goiânia e confirmada pela defesa do padre, na tarde desta sexta-feira (21).
A operação Vendilhões cumpriu, nesta sexta-feira (21), 16 mandados de busca e apreensão, inclusive, em imóveis ligados ao padre Robson de Oliveira Pereira, fundador e presidente da Afipe e reitor da Basílica.
O Ministério Público de Goiás investiga se o dinheiro pode ter sido usado para compras de bens luxuosos, entre eles, uma fazenda de R$ 6 milhões em Abadiânia, no leste de Goiás, e uma casa de praia, no valor de R$ 3 milhões, em Guarajuba (BA).
Segundo a arquidiocese, a Igreja Católica foi "surpreendida" com a ação do Poder Judiciário e do MP, mas aceita "com humildade" os atos praticados pela autoridade judiciária. A nota disse ainda que está, junto a Província dos Missionários Redentoristas de Goiás, "aberta para apurar com transparência quaisquer denúncias em desfavor de seus membros".
Ainda de acordo com a arquidiocese, o padre pediu afastamento "até que se esclareçam todos os fatos".
As funções do padre Robson serão assumidas, de forma interina, pelo padre André Ricardo de Melo, provincial dos Missionários Redentoristas de Goiás.
Em uma coletiva de imprensa, na tarde desta sexta-feira, o advogado Pedro Paulo Medeiros, que faz a defesa do padre, o religioso está "chateado com acusações, mas tranquilo". Segundo o padre disse ao advogado, “aquele que anda com verdade não tem o que temer com acusações”. Ainda de acordo com a defesa, a Afipe e o padre estão à disposição do Ministério Público.
Operação 'Vendilhões'
O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) deflagrou na manhã desta sexta-feira (21) uma operação para apurar irregularidades na Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe). A entidade é responsável pelo Santuário Basílica de Trindade, cidade na Região Metropolitana de Goiânia conhecida como a "capital da fé" do estado. Foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão, inclusive, em imóveis luxuosos ligados ao padre Robson de Oliveira Pereira, fundador e presidente da Afipe e reitor da Basílica.
O corpo jurídico da Afipe informou que "não foi pego de surpresa" com a operação e que, no passado, "se colocou à disposição do Ministério Público". Salientou ainda que o padre Robson acompanhou toda a operação e que tudo segue em "extremo sigilo".
De acordo com a denúncia, o dinheiro pode ter sido usado para compras de bens luxuosos, entre eles, uma fazenda de R$ 6 milhões em Abadiânia, no leste de Goiás, e uma casa de praia, no valor de R$ 3 milhões, em Guarajuba (BA).
Segundo os advogados que representam a Afipe e o padre Robson, a defesa ainda não teve acesso a todos os documentos, mas afirma que todos os negócios da associação "são contabilizados e documentados". Eles informaram ainda que o religioso está "chateado com acusações, mas tranquilo". Ainda de acordo com a defesa, a Afipe e o padre estão à disposição do Ministério Público e colaborando com as investigações.
Na decisão da Justiça que autoriza os mandados cumpridos na operação, consta que o MP descobriu que a Afipe transferiu mais de R$ 32 milhões para uma empresa imobiliária entre setembro de 2016 e janeiro de 2018. A companhia citada, segundo as investigações, foi aberta um dia antes de receber a primeira transferência da associação.
O documento também relata que, segundo o MP, a Afipe comprou uma fazenda em Abadiânia, no leste de Goiás, pelo valor de R$ 6,3 milhões, em 2016, tendo vendido a propriedade pelo mesmo valor, três anos depois, a uma empresa administradora de bens que é investigada na operação.
De acordo com ação, no ano de 2014, uma casa na praia de Guarajuba, na Bahia, foi comprada à vista pela associação.
Conforme o MP, as filiadas da Afipe são voltadas para a “evangelização por meio da TV, para obras sociais e para a construção da Nova e Definitiva Casa do Pai Eterno, em Trindade” e que, para esse fim, recebem doações de fiéis de todo o Brasil. Entre anos de 2016 a 2018, os donativos atingiram um montante de mais R$ 746 milhões.
Segundo o Secretário de Segurança Publica, Rodney Miranda, o volume de dinheiro movimentado “pressupõe ilegalidade”. Eles investigam se fiéis estão sendo vítimas de “exploração” durante as doações. Segundo as apurações, a Afipe teria transferido cerca de R$ 120 milhões, em três anos, para empresas e pessoas investigadas.
“O volume de dinheiro e pressupõe alguma ilegalidade ou irregularidade. Mesmo se o Brasil todo resolvesse ser bondoso e caridoso com a construção dessa nova basílica, e fizesse doações, dificilmente chegaríamos a esses bilhões que estão sendo investigados. ”, disse.
Contudo, os advogados de defesa afirmam que os negócios da Afipe "nunca foram para pessoa física". "Todos os negócios da Afipe são contabilizados, documentados, e já são de conhecimento do MP. Eles estão ali com escriturações próprias, são negócios que existem e são aplicados em negociações”, afirmou Klaus.
Em uma coletiva de imprensa na tarde desta sexta, na sede do MP-GO, o procurador do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Sebastião Marcos Martins, que coordenou a operação, disse que a forma como eles agiam ainda não está clara, mas é relacionado a movimentação financeira. O dinheiro, que se originou na Afipe, por meio de doações de fiéis, está sendo direcionado para outras pessoas, e empresas. A legalidade disso ainda vai ser apurada na investigação.
“Essa investigação iniciou há dois anos, na ocasião da extorsão. Nós nos deparamos com ‘grande teia’ de movimentação financeira, de imóveis, e a partir disso, fizemos o pedido de busca e apreensão para continuar investigação”, disse.
No entanto, este pedido, que segundo o procurador estava pronto desde março, precisou ser suspenso devido a pandemia de coronavírus.
“Quando a sentença da extorsão, houve compartilhamento do processo, e o Gaeco analisou conteúdo. Verificou que ocorreram pagamentos de contas da Afipe usadas para pagar valores cobrados do padre”, disse.
Sobre o possível pagamento de extorsão com dinheiro da Afipe, os advogados de defesa do padre disseram que o caso foi defendido por outra advogada e que "não sabem" informar detalhes.
Ainda segundo Sebastião, após o cumprimento das buscas e apreensões nesta sexta-feira, foram apreendida uma quantidade de dinheiro na Afipe e com o Padre Robson. O valor não foi divulgado.
Caso de extorsão originou ação
De acordo com o MP, a operação se originou por conta de outra investigação vinculada ao padre Robson. Conforme o apurado, na ocasião, o religioso foi extorquido durante dois meses, em março e abril de 2017, e "utilizou indevidamente recursos provenientes de contas das associações que preside".
Um hacker chegou a ser condenado por extorquir R$ 2 milhões do padre, ameaçando revelar um suposto caso amoroso do religioso. Porém, a polícia apontou que as mensagens usadas para extorquir o padre eram falsas.
De acordo com as investigações, o dinheiro foi repassado por transferências bancárias e entregas em espécie. Os pagamentos eram feitos em quantias de R$ 50 mil a R$ 700 mil. Em alguns casos, o valor era deixado dentro de um carro na porta de um condomínio ou no estacionamento de um shopping da capital. Uma das entregas foi supervisionada pela Polícia Civil a fim de identificar e localizar todos os criminosos.
À época, a Afipe disse que “não teve nenhum prejuízo financeiro e todo o valor voltou para a instituição”. A decisão que autorizou os mandados, porém, destaca que dos R$ 2,9 milhões retirados da Afipe para fazer o pagamento, quase a metade - R$ 1,2 milhão - não foi recuperado, ocasionando prejuízo à entidade.
Consta ainda na decisão que, foi a partir desses pagamentos, verificados durante investigação policial, que chegaram a uma "rede de envolvidos muito maior, com apropriações e negociações envolvendo os bens da associação".
Padre Robson
Natural de Trindade, padre Robson, de 46 anos, é uma figura presente na cena católica. Ele também tem um programa em que promove momentos de reflexão com base em trechos da Bíblia e experiências pessoais, além de conselhos àqueles que pedem orientação religiosa.
O caminho dele para o sacerdócio começou aos 14 anos, quando entrou para o seminário e, uma década depois, se formou padre. Estudou por alguns anos na Irlanda e em Roma, na Itália, onde se formou mestre em Teologia Moral pela Universidade do Vaticano.
O religioso voltou para Trindade em 2003, como reitor do Santuário do Divino Pai Eterno, cargo que ocupou por 11 anos. Em 2004, ele fundou a Afipe.
Entre 2015 e 2019, foi Superior Provincial dos Redentoristas de Goiás. No entanto, depois disso, voltou à reitoria da Basílica, cargo que ocupa até então.
Afipe e Romaria
Fundada pelo padre, a Associação Filhos do Pai Eterno mantém um canal de TV e também transmite missas em uma rádio.
Além de toda a programação religiosa, a Afipe é responsável pela Romaria do Divino Pai Eterno, principal festa religiosa de Goiás e considerada uma das maiores celebrações religiosas do mundo. Ao longo de dez dias, são realizadas cerca de 100 missas e mais de 40 novenas, além de procissões, batizados, vigílias, alvoradas e confissões durante os dez dias de festa.
O evento reúne milhões de pessoas todos os anos. Em 2019, a romaria recebeu cerca de 3 milhões de fiéis de todo o Brasil e até do exterior. Neste ano, a celebração foi cancelada por causa da pandemia.
Segundo dados da Afipe, os trabalhos são mantidos por doações de fiéis. O evento também é responsável por movimentar a economia da cidade, que se mantém praticamente à base do turismo religioso, criado, principalmente, em torno da Basílica.
Nova Basílica
É por meio da doações de fiéis que a Afipe está construindo, desde 2012, uma nova Basílica em Trindade. A expectativa inicial era de que ela fosse concluída até 2022. Todavia, em 2018, essa previsão foi adiada para 2026.
A estimativa inicial era de que a obra custasse mais de R$ 100 milhões, a serem custeados por meio de donativos de fiéis e empresários.
O projeto prevê uma obra grandiosa: do alicerce até a cúpula, a basílica deve ter 94 metros de altura, o equivalente a um prédio de 30 andares, em uma área total de 120 mil metros quadrados.
Há dois anos o maior sino do mundo começou a ser feito para ser instalado justamente no templo. Feito na Cracóvia, cidade da Polônia, o objeto tem 4 metros de altura, 4,5 metros de diâmetro e 55 toneladas. O sino, chamado de Vox Patris, em homenagem ao Divino Pai Eterno, é composto 78% por cobre e 22% por estanho e conta com imagens em fundição, na parte externa, que narram a história da Santíssima Trindade desde 1840 até a construção do santuário em Trindade.
A primeira capela construída em Trindade, em 1843, também é um ponto de atração e templo de devoção. Em 1912, o local foi reformado e inaugurado o primeiro Santuário, atualmente conhecido como Santuário Velho ou Igreja Matriz, sede da Paróquia do Divino Pai Eterno.
No mesmo ano, a Matriz foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em 2013, recebeu um novo tombamento, dessa vez como Patrimônio Cultural Material do Brasil.
Fonte: G1
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