Fundos vaticanos teriam chegado à Austrália durante julgamento contra Pell, assinala relatório


Cardeal George Pell / Cardeal Angelo Becciu. Foto: Daniel Ibáñez / ACI Prensa

Vaticano, 21 out. 20 / 09:29 am (ACI).- A Agência de Inteligência Financeira Australiana entregou à polícia federal do país e do estado de Victoria informações sobre o suposto envio de centenas de milhares de euros de fundos do Vaticano para a Austrália, a pedido do defenestrado Cardeal Angelo Becciu, supostamente para influenciar no julgamento contra o Cardeal George Pell.
O Cardeal Pell foi acusado de abuso sexual na Austrália e, embora tenha passado 13 meses na prisão, foi finalmente considerado inocente e libertado em abril de 2020.
A informação sobre o suposto envio de recursos do Vaticano foi indicada na terça-feira, 20 de outubro, por Nicole Rose, chefe-executiva do serviço de inteligência financeira da Austrália (AUSTRAC), em uma audiência no Senado.
"Posso confirmar que a AUSTRAC reviu o assunto e fornecemos informações à AFP (Polícia Federal Australiana) e à polícia de Victoria", disse Rose ao ser perguntada sobre o que foi publicado há poucos dias pela imprensa italiana sobre o suposto envio de 700 mil euros de fundos do Vaticano, a pedido do Cardeal Angelo Becciu, supostamente para influenciar no julgamento contra o Cardeal Pell.
AUSTRAC é encarregada de monitorar as transações financeiras para prevenir a lavagem de dinheiro, o crime organizado, a evasão fiscal e o terrorismo financeiro.
De acordo com o jornal italiano Corriere della Sera, a suposta transferência de fundos da Santa Sé faria parte de um arquivo manuseado por investigadores e promotores do Vaticano contra o Cardeal Becciu, que foi obrigado a renunciar pelo Papa Francisco em 24 de setembro por sua suposta ligação com escândalos financeiros durante sua gestão como Substituto (número dois) da Secretaria de Estado do Vaticano.

Segundo o jornal italiano Il Messaggero, as denúncias sobre a transferência de dinheiro para a Austrália foram feitas por Mons. Alberto Perlasca, que durante anos trabalhou como colaborador próximo do Cardeal Becciu na Secretaria de Estado na gestão dos investimentos financeiros.
O Cardeal Becciu negou em diferentes ocasiões qualquer malversação ou tentativa de influenciar no julgamento contra o Cardeal Pell, que também não se referiu às acusações, embora seu advogado na Austrália, Robert Richter, tenha solicitado que fossem investigadas.
Após as informações iniciais, alguns meios de comunicação especularam que os fundos poderiam ter sido enviados de contas do Vaticano para a Nunciatura Apostólica na Austrália.
Em 6 de outubro, o Papa Francisco recebeu em Roma o Núncio Apostólico na Austrália, Dom Adolfo Tito Yllana, em um encontro no qual o assunto teria sido abordado. No entanto, a confirmação da AUSTRAC de que a informação já foi encaminhada à polícia federal e à polícia de Victoria sugere que quaisquer transferências de investigação poderiam ter sido realizadas fora dos canais diplomáticos.
Embora a AUSTRAC tenha enviado informações à polícia federal e à polícia estadual de Victoria, esta última recebeu várias críticas pela forma como tratou as acusações contra o Cardeal Pell.
Em 2013, a polícia de Victoria iniciou a chamada Operação Tethering, uma investigação sobre possíveis crimes do Cardeal Pell. Quando tudo começou, não havia vítimas que acusassem o Purpurado e não havia medidas legais contra ele. Apesar disso, a operação foi ampliada.
Em 2017, o Cardeal Pell foi acusado de abusar sexualmente de dois menores e foi preso em 2018 com base no depoimento de uma vítima-acusadora, já que a segunda faleceu antes do julgamento e negou repetidamente ter sido abusada sexualmente pelo Purpurado.
Em dezembro de 2019, a agência em inglês do Grupo ACI (CNA) informou que em 2014 as autoridades policiais de Victoria viram que a investigação contra o Cardeal Pell poderia ser usada para desviar a atenção de um caso de corrupção policial que foi um escândalo na mídia.
O Cardeal Pell foi o primeiro prefeito da Secretaria para a Economia do Vaticano, um dicastério criado pelo Papa Francisco em 2014 para garantir a transparência financeira na cúria vaticana.
Entre 2011 e 2018, o Cardeal Becciu serviu como Substituto da Secretaria de Estado e manteve uma relação tensa com o Cardeal Pell.
CNA informou que os dois cardeais se chocaram em diversas ocasiões devido às várias tentativas do Cardeal Pell de reformar as finanças do Vaticano e implementar as reformas ordenadas pelo Papa Francisco.
Após as acusações da suposta tentativa do Cardeal Becciu de interferir com os fundos do Vaticano no julgamento contra o Cardeal Pell, em 17 de outubro o advogado do primeiro disse que o Cardeal Becciu “se vê obrigado a reiterar vigorosamente que nunca interferiu no processo de modo algum”.
O advogado Fábio Viglione disse ainda que, "para proteger e defender sua honra tão gravemente danificada", o Cardeal Becciu, que renunciou a seus direitos do cardinalato em 24 de setembro após os escândalos financeiros, poderia entrar com medidas judiciais contra alguns meios de comunicação por informar continuamente sobre "uma suposta, embora inexistente, atividade para manchar as provas no julgamento do Cardeal Pell”.

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