Dormition of Virgin Mary
StrippedPixel.com | Shutterstock
Vanderlei de Lima - publicado em 15/08/21
A alma não está inconsciente, mas inteiramente lúcida. Assim, ela toma plena consciência de sua identidade
É certo que a alma separada do corpo, na morte, depois de passar pelo juízo particular, sobrevive lúcida e já recompensada no além. No entanto, este ponto da chamada Escatologia intermediária – por estar entre a morte e o Juízo Final – tem sido contestado, ultimamente, por alguns teólogos.
Sim, tais teólogos defendem o chamado monismo; ou seja, que o ser humano morre todo (corpo e alma) e ressuscita todo (em corpo glorioso) já logo após a morte. Abandonaram, como se vê, a doutrina da Igreja para valorizarem a palavra de teólogos de raiz protestante: C. Stange, K. Barth, H. Thielicke, E. Brunner, O. Cullmann, H. Menoud (cf. Justo Collantes, SJ. La fe de la Iglesia católica: las ideas e los hombres en los documentos doctrinales del Magisterio. 3ª ed. Madri: BAC, 1983, p. 805-806).
Ora, para defender a genuína fé da Igreja, ante correntes protestantizadas, a Congregação para a Doutrina da Fé se manifestou pela Recentioris Episcoporum Synodi, no ano de 1979, dizendo o seguinte: “a Igreja afirma a sobrevivência e a subsistência depois da morte de um elemento espiritual, dotado de consciência e de vontade, de tal modo que o ‘eu humano’ subsista, ainda que sem corpo. Para designar esse elemento, a Igreja emprega a palavra ‘alma’, consagrada pelo uso que dela fazem a Sagrada Escritura e a Tradição” (n. 3). Em suma, a morte consiste na separação da alma espiritual imortal e do corpo material mortal. Este é sepultado ou cremado e a alma, depois de julgada, vai para o céu, o inferno (de modo definitivo) ou o purgatório (passagem purificadora para o céu). Em qualquer desses estados, ela espera consciente a reunião ao seu próprio corpo ressuscitado no último dia (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 1016 e 999-1001). O que a Igreja defende, portanto, é a dualidade: o corpo e a alma se distinguem, mas também se completam harmoniosamente. Esta doutrina se opõe ao dualismo (oposição radical entre alma e corpo) e ao monismo (junção de alma e corpo como se fossem uma só coisa).
Afirmemos ainda que, no céu, além de os bem-aventurados contemplarem – como felicidade essencial – a Deus uno e trino face a face (cf. 1Cor 13,12) e n’Ele se regozijarem, também lhes é motivo de felicidade acidental o fato de se acharem na companhia de Nosso Senhor (em sua humanidade), da Virgem Maria, dos anjos e santos, bem como o voltar a se encontrar com os parentes e amigos que tiveram durante a vida nesta terra. Avançando um pouco na reflexão, notamos que, no além, a alma só exerce as atividades da inteligência e da vontade, mas não as funções do corpo (alimentar-se, repousar, falar etc.), pois não o tem mais até o dia da ressurreição final. Todavia, a alma não está inconsciente, mas inteiramente lúcida. Assim, ela toma plena consciência de sua identidade: vê-se semelhante a Deus por sua inteligência e vontade; relembra de tudo o que conheceu neste mundo; reconhece a Deus tal como Ele é e mantem em si o amor a tudo o que é realmente bom. Com relação às demais criaturas, a alma tem consciência e interesse por tudo o que lhe diz respeito (familiares, amigos, orações ou pedidos de auxílio que lhe dirigimos) neste mundo; reconhece, no além, os parentes e amigos e comunica-se com eles por uma linguagem espiritual própria (cf. Dom Estêvão Bettencourt, OSB. Curso de Filosofia. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2014, p. 211-214).
Citemos, por fim, Garrigou-Lagrange, afamado teólogo dominicano, a nos ensinar que, no céu, “os santos, ao verem-se uns aos outros em Deus, amam-se nele e por ele, com uma caridade mútua inamissível. […] Os bem-aventurados amam-nos também a nós, peregrinos, e pedem especialmente e incessantemente por aqueles que conheceram na terra e tanto mais quanto maior for sua caridade. E, como se encontram perto da fonte de todo o bem, cumulam-nos de benefícios. Alcançam-nos de Deus aquilo que a sua bondade nos quer dar. O seu amor para conosco, em vez de ter diminuído, transforma-se” (O homem e a eternidade. São Paulo: Flamboyant, 1959, p. 287-288).
Que estes sábios ensinamentos nos reacenda o desejo, cada vez maior, da eternidade feliz junto de Deus e dos nossos entes queridos que lá se encontram e intercedem por nós qual uma nuvem de testemunhas (cf. Hb 12,1). Amém!
Vanderlei de Lima é eremita de Charles de Foucauld
Fonte: Aleteia
---
Comentários
Postar um comentário