Origem da Igreja Católica


Por Redação
agosto de 2021

A partir de fontes bíblicas, da Tradição e do Magistério eclesiástico, é possível reconhecer que a Igreja Católica é um projeto que nasceu do coração de Deus Pai, instituída por seu Filho, Jesus

Reprodução

Não há dúvidas de que a Igreja Católica seja a instituição internacional mais longeva em atividade no mundo. No entanto, ao longo dos seus 2 milênios de existência, ainda há quem se pergunte como ela surgiu, quem a fundou ou mesmo no que consiste.

A partir de fontes bíblicas, da Tradição e do Magistério eclesiástico, o Catecismo da Igreja Católica sintetiza que a Igreja é um projeto que nasceu do coração do Pai, prefigurada desde o início dos tempos, preparada na Antiga Aliança com Israel e instituída por Cristo Jesus.

Destaca-se, ainda, que, como já diziam os primeiros cristãos, “o mundo foi criado em vista da Igreja”, uma vez que Deus criou o mundo para a comunhão com sua vida divina, que se realiza pela “convocação” (em grego: ekklésía, de onde vem a palavra “igreja”) dos homens em Cristo.

História da salvação

No século II, Clemente de Alexandria escreveu: “Assim como a vontade de Deus é um ato e se chama mundo, assim também sua intenção é a salvação dos homens e se chama Igreja”.

Segundo Padre José Ulisses Leva, professor de História da Igreja na PUC-SP, não é possível entender a origem da Igreja fora da história salvífica da humanidade e, consequentemente, do ministério da encarnação de Jesus Cristo.

“TU ÉS PEDRO, E SOBRE ESTA PEDRA EDIFICAREI A MINHA IGREJA” (MT 16,18-19A).

Embora esse seja um texto-chave para a compreensão da instituição da Igreja por Cristo, na Sagrada Escritura, sobretudo no Novo Testamento, há outras passagens que ajudam a fundamentar sua origem, como, por exemplo, a escolha dos Doze Apóstolos e seu envio missionário (cf. Mt 10,2-4; Mc 3,13-19; Lc 6,12-16).

Outro momento fundante se dá na Cruz, com a imagem do lado aberto de Cristo, de onde jorraram sangue e água (cf. Jo 19,34). Sobre essa cena, Santo Ambrósio afirmou que, da mesma forma que Eva foi formada do lado de Adão adormecido, assim a Igreja nasceu do coração traspassado de Cristo morto na cruz.

Já em Pentecostes, com a vinda do Espírito Santo sobre os apóstolos (cf. At 2,1-4), a Igreja se manifestou publicamente diante da multidão e começou a pregação da Boa-Nova, realizando o mandato apostólico de Jesus: “Ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).

Em sua “História Eclesiástica”, do século IV, Eusébio de Cesareia mostra que os apóstolos, de fato, foram até os “confins do mundo habitado” na época, chegando por exemplo à região da Ásia, conhecida como Índias, ultrapassando as fronteiras do Império Romano.

O livro dos Atos dos Apóstolos, as cartas de Paulo e os demais textos do Novo Testamento são fontes que ajudam a compreender como se organizava a Igreja nascente. Outra fonte importante é a “Didaqué”, ou Instrução dos Doze Apóstolos, uma espécie de catecismo primitivo, que apresenta orientações sobre a doutrina, a conduta dos fiéis, a vida sacramental, os ministérios e a centralidade da celebração dominical (Eucaristia).

Apostólica

A Igreja cresce, portanto, a partir do testemunho dos apóstolos, transmitido aos seus sucessores, em comunhão com o sucessor de Pedro, Bispo de Roma, princípio da unidade eclesial. Essa configuração já é percebida no chamado Concílio Apostólico de Jerusalém (cf. At 15), ocorrido por volta do ano 48, para resolver uma questão doutrinal na qual cristãos de origem judaica defendiam que os pagãos que aderiam ao Cristianismo deveriam ser circuncidados. Paulo e Barnabé foram ao encontro de Pedro e dos outros apóstolos em Jerusalém para discutir a questão. O colégio apostólico, então, decidiu que não era necessária a circuncisão aos cristãos de origem pagã, uma vez que se aderia a Cristo pelo Batismo.

Roma

Nos seus primeiros três séculos de existência, a Igreja cristã era perseguida pelo Império Romano. No entanto, os cristãos não deixaram de realizar a sua missão. Quando a perseguição romana chegou ao fim, no século IV, quase todo o Império era tomado pela presença de cristãos, não somente das classes mais baixas, como também nas mais elevadas.

Após o martírio de São Pedro, em Roma, no ano 64, a capital do Império passou a ser o centro da unidade da Igreja, a partir de seus sucessores, chamados de papas. Mesmo na “clandestinidade”, o Cristianismo crescia e ganhava força nas catacumbas, os cemitérios romanos no subsolo das cidades, e nas domus ecclesiae (igrejas domésticas), germe das primeiras paróquias.

Também tiveram papel fundamental os muitos mártires que derramaram seu sangue pelo ódio à fé em Cristo. Os vários relatos da época mostram que, quanto mais os cristãos eram mortos pela perseguição do Império, mais a comunidade crescia. Daí vem a célebre afirmação de Tertuliano, no século III: “O sangue dos mártires é a semente dos cristãos”.

Edito de Milão

Em 313, o imperador Constantino assinou o famoso Edito de Milão, que deu ao Cristianismo a liberdade para viver e conviver no Império, assim como as outras religiões já viviam. Em 380, Teodósio publicou o Edito de Tessalônica, que reconhece o Cristianismo como a religião do Estado.

No tempo e no espaço

À semelhança de seu fundador, o Verbo Encarnado, a Igreja nasceu e se desenvolveu inserida em uma realidade temporal, cultural e geográfica. Por isso, para realizar sua missão, incorporou, na sua organização e até no vocabulário, elementos dessa realidade local, dando novos significados e valores.

Um exemplo disso são as dioceses, até então subdivisões administrativas do Império, que, para a Igreja, passaram a designar um território onde vive uma porção do povo de Deus pastoreada por um bispo com seu presbitério, expandindo-se dos grandes centros para o campo.

Outro exemplo é a palavra “pontífice”, atribuída ao imperador, aquele que fazia a ponte entre o centro do Império e todo o seu território. Na Igreja, é atribuída ao sucessor de Pedro, princípio de unidade eclesial a quem foram dadas as chaves do Reino dos Céus.

Católica

A referência mais antiga que se refere à Igreja fundada por Cristo como “Católica” é atribuída a Santo Inácio de Antioquia, Bispo e Mártir do século II, que afirmou: “Onde está Jesus Cristo está a Igreja Católica”.

A palavra grega katholikos, que quer dizer “aquilo que é conforme o todo” ou “universal”, era inicialmente atribuída à Igreja como aquela que se destina a todos e está presente em todo lugar. No século IV, São Cirilo de Jerusalém usa esse adjetivo para se referir à fé que aceita a totalidade das verdades reveladas, em contraposição à fé herética, que escolhe aquilo em que quer acreditar. Desse modo, passou a ser chamada de católica a Igreja que inclui todo o depósito deixado por Jesus Cristo e transmitido pelos apóstolos, assim como todos os sacramentos.

Ocidente e Oriente

Entre os séculos IV e V, as cinco primeiras Igrejas apostólicas passaram a ser chamadas patriarcados, dando origem à chamada pentarquia (do grego: penta = cinco, e arquia = governo), isto é, seus bispos eram patriarcas e tinham primazia sobre as outras comunidades cristãs. Os cinco patriarcados eram Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém. Nessa configuração, o sucessor de Pedro tinha o primado de honra entre os demais patriarcas, sendo o primus-inter-pares (o primeiro entre os iguais) na ordem de precedência das Igrejas.

Após o chamado grande Cisma entre os cristãos do Oriente e do Ocidente, em 1054, causado por fatores políticos, culturais, eclesiásticos e doutrinais, os cristãos do Oriente passaram a ser chamados “ortodoxos” (do grego orthos = reto, correto; e doxa = louvor, doutrina ou opinião), enquanto os do Ocidente se denominaram “católicos romanos”, por sua ligação com a Sé Apostólica de Roma.

Entretanto, algumas comunidades orientais independentes mantiveram os vínculos com o Papa ou retornaram à plena comunhão com Roma com o passar dos anos. Desse modo, a Igreja Católica é constituída de 24 Igrejas autônomas em plena comunhão com o Romano Pontífice. A maior e mais conhecida delas é a ocidental, a Igreja Católica Apostólica Romana, também chamada de Igreja Latina. As demais seguem os diversos ritos orientais, como os maronitas, greco-melquitas, siríacos, ucranianos, entre outros.

Corpo de Cristo

Outra imagem que define a Igreja é a do Corpo Místico de Cristo, apresentada pelo apóstolo Paulo, que a destaca como um organismo vivo, em que Jesus é a cabeça; e os cristãos, pelo vínculo do Batismo, são seus membros.

Cipriano de Cartago, quando escreve sobre a unidade da Igreja, no século III, ressalta: “A unidade não pode ser cindida; um corpo não pode ser dividido pela separação dos órgãos, nem despedaçado à vontade pela dilaceração das vísceras arrancadas. Tudo que for separado violentamente do seio materno não pode continuar a viver e a respirar, perde a substância da salvação”

Também é Cipriano que, assim como outros autores da Patrística, compara o mistério da unidade da Igreja à túnica sem costura de Cristo. “Assim como a túnica cobre o corpo sobre todas as outras peças, a unanimidade cordata na caridade protege e garante a vida da Igreja.”

O que significa a afirmação ‘Fora da Igreja não há salvação’?  

“Extra ecclesia nula salus” (“Fora da Igreja não há salvação”). Essa afirmação repetida por inúmeros padres da Igreja, muitas vezes, é adotada para enfatizar a separação ao invés da unidade da Igreja. O Catecismo da Igreja Católica (CIC) dedica três parágrafos (846 a 848) para explicar essa expressão, destacando que ela é formulada de maneira positiva, significando que “toda a salvação vem de Cristo-Cabeça por meio da Igreja, que é o seu corpo”. O texto cita, ainda, a constituição dogmática Lumen gentium, do Concílio Vaticano II, para explicar que a “Igreja peregrina na terra, é necessária à salvação”, e que Cristo, “único mediador e caminho da salvação”, confirmou a necessidade desta, “na qual os homens entram pelo Batismo”.

Ao mesmo tempo, o Catecismo ressalta que tal afirmação não é destinada àqueles que, “sem culpa, desconhecem Cristo e sua Igreja” e não para se dirigir àqueles que pertencem a outra tradição religiosa ou a cristãos que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica.

Ao citar o decreto conciliar Ad Gentes, o Catecismo salienta que aqueles que “sem culpa ignoram o Evangelho de Cristo e sua Igreja, mas buscam a Deus com o coração sincero e tentam, sob o influxo da graça, cumprir por obras a sua vontade conhecida por meio do ditame da consciência, podem conseguir a salvação eterna”. Por outro lado, o documento enfatiza que, mesmo assim, “cabe à Igreja o dever e também o direito sagrado de evangelizar todos os homens”.

Unidade

Portanto, tal frase se destina àqueles que, conhecendo a fé no Cristo por meio da Igreja, renegam-na, seja pela apostasia, seja pela heresia. Essa afirmação foi feita pela primeira vez no século III, pelo Bispo Cipriano de Cartago, em seu tratado sobre a unidade da Igreja, em uma época em que os cristãos se debruçavam sobre a chamada polêmica dos lapsi (“lapsos” ou “caídos”). Eram assim chamados aqueles que rompiam com a fé por causa da perseguição e, diante de ameaças do Império, não apenas renunciavam à fé cristã como delatavam seus irmãos de comunidade.

Havia uma doutrina que consentia aos bispos reconciliar os apóstatas arrependidos após adequada penitência. Porém, não existia um consenso para o caso específico dos lapsi. Essa polêmica teve como consequência dois Cismas: de um lado, o dos laxistas, que defendiam a readmissão dos apóstatas indistintamente, sem um caminho penitencial; do outro, os rigoristas, que consideravam que os lapsi não deveriam ser readmitidos de forma alguma.

Cipriano, então, exorta os fiéis a não abandonarem o único rebanho de Cristo para seguir aqueles que deste se separaram, criando comunidades próprias, e afirma ser neste único rebanho, a Igreja, que está a vida do Espírito e sua unidade, fundada no Cristo e expressa na comunhão dos e com os apóstolos, sendo os bispos os que zelam por essa unidade. “Como ninguém pode se salvar fora da arca de Noé, assim ninguém se salva fora da Igreja”, escreve o Bispo de Cartago, ressaltando que a única forma de aqueles que renegaram a fé serem salvos é sendo acolhidos novamente na Igreja que os gerou para Cristo.

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