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Francisco Vêneto - publicado em 10/11/21
"Até quando?", pergunta o padre, que também questiona: "Por que continuamos inertes?"
A realidade muito preocupante do suicídio sacerdotal voltou a chamar as atenções nesta semana no Brasil e, a respeito dela, diversos padres e religiosos têm se manifestado nas redes sociais.
Um dos mais contundentes comentários sobre a gravidade deste panorama e sobre a carência de acompanhamento e apoio aos padres nos seus momentos de maior fragilidade emocional está circulando pelas redes sociais, atribuído à autoria de pe. Simeão do Espírito Santo. O texto tem sido compartilhado por dezenas de sacerdotes, religiosos e leigos católicos.
Refletindo a opinião pessoal do autor, o comentário compartilhado na rede é fortemente crítico a determinados aspectos de estruturas institucionais da Igreja e as questiona porque, a seu ver, não proporcionariam suficiente proximidade, fraternidade e solidariedade aos padres no Brasil, particularmente no tocante ao drama do suicídio sacerdotal.
De fato, o Papa Francisco tem reiterado com frequência que a Igreja não é meramente o conjunto das suas estruturas, mas sim o próprio Corpo de Cristo, do qual somos todos, misticamente, membros vivos. O Papa também alerta regularmente para o risco de que, mesmo dentro da Igreja, se incorra na “cultura do descarte”. Com esta referência em mente, é importante levar em consideração o desabafo atribuído a pe. Simeão do Espírito Santo a fim de se promover um debate objetivo e transparente sobre o seu conteúdo.
O texto
Eis o comentário que está sendo compartilhado nas redes sociais católicas a propósito do suicídio sacerdotal e de contextos relacionados:
“Não sei mais o que escrever, não sei mais como exprimir a dor que eu sinto quando recebo a notícia de suicídio de mais um padre. Rezar e escrever me ajudam, mas ainda não é o suficiente…
Estamos no início de novembro e o suicídio do padre José Alves é o nono este ano [só no Brasil]…
Cada sacerdote que tirou sua vida esse ano tinha um rosto, uma história, um sofrimento, uma dor, uma vocação, um sonho. O que lhes faltava? O que não foi feito por estes irmãos? Onde erramos? Até onde vai a responsabilidade pessoal? Há uma responsabilidade eclesial? Por que os padres estão se assassinando? Quantos mais precisarão morrer para a Igreja católica no Brasil acordar? Por que continuamos inertes, indiferentes e omissos? Os suicídios sacerdotais em série, no Brasil, revelam, em parte, a doença, a ineficiência e a hipocrisia da estrutura clerical”.
Suicídio sacerdotal e o caso do pe. José Alves
O texto do pe. Simeão trata então do caso do pe. José Alves, encontrado morto neste domingo. A informação oficialmente divulgada é de que a causa da morte está sendo investigada, mas desde a segunda-feira circulam extraoficialmente informações de que teria sido mais um caso de suicídio sacerdotal.
O texto do pe. Simeão também aborda a problemática das denúncias não comprovadas de abusos sexuais perpetrados por sacerdotes e de como lidar com elas durante o necessário processo de investigação, enquanto ainda não se tem certeza da veracidade das denúncias:
“A diocese de Bom Jesus do Gurgueia havia recebido uma acusação contra o padre José. O teor da denúncia era de abuso sexual com menor. Nada foi comprovado. O padre foi suspenso de ordens ‘ad cautelam’ no último dia 6, através de um decreto. Sim, sabemos que, após centenas de casos de pedofilia no mundo, desde o Papa Bento XVI e agora com o Papa Francisco, a cultura do silêncio está sendo quebrada e as orientações são muito claras. O bispo da diocese pode ter aplicado a lei pela lei e, apenas com a denúncia da acusação (ainda que não tenha sido provada), o padre tinha sido suspenso.
Irmãos padres, qualquer sacerdote pode passar por isso. Qualquer denúncia, mesmo sem prova, chegando ao bispo diocesano, pode acarretar a mesma suspensão recebida pelo padre José.
Penso em irmãos que eu conheci, que foram suspensos sem poderem fazer absolutamente nada. Irmãos que eram e sempre foram inocentes. Temos um caso de suicídio, aqui no Brasil, de um religioso, em 2013, que, sendo acusado injustamente, não conseguiu suportar o peso de tal sofrimento e se enforcou no quarto com o próprio cíngulo. Quantos de nós fomos acusados levianamente!?
O padre José foi encontrado morto, em sua casa paroquial, no último domingo. Pergunto-me: a diocese ou pastoral presbiteral estava cuidando dele após a suspensão? Se ele não podia mais celebrar, por que ficou sozinho na casa? Há algum acompanhamento jurídico, psicológico, espiritual, episcopal ou presbiteral para os padres que são suspensos ‘ad cautelam’?”
Aspectos organizacionais e institucionais da Igreja
O texto do pe. Simeão passa a questionar a postura de uma parte da Igreja do ponto de vista organizacional, evocando os recorrentes alertas do Papa Francisco sobre a necessidade de superar as rigidezes estruturais quando elas não ajudam de fato a Igreja a ser Igreja, seja no contexto do suicídio sacerdotal, seja no tocante a outros aspectos da relação entre pessoas. Eis o que diz o texto:
“Antes da sua morte, padre José escreveu em suas redes sociais: ‘Eu Amo a Igreja’. Ah, padre irmão, eu entendo sua afirmação. Escutamos isso o tempo todo do seminário, né? Amamos a Igreja, padre; mas a grande verdade é que a igreja não nos ama. O único que nos ama é o Cristo, Cabeça e Esposo da Igreja.
Na vida de todo padre há de chegar um momento em que ele ficará sozinho. Teremos apenas Jesus! E, mesmo Ele nos bastando, ao sermos abandonados, esquecidos, e alguns de nós caluniados e acusados por bispos, padres e leigos, precisaremos pensar em nós mesmos.
O suicídio não vale como martírio, irmãos padres! Sei, porque escuto, que muitos padres pensam em tirar a própria vida. Em um país latino-americano aqui vizinho, padres estão tirando a vida em grupo; mas essa não é a resposta. Esse não é o caminho! Faço uma confissão pública: em um momento de extremo sofrimento, há uns três ou quatro anos, quando eu pedi um tempo de afastamento do exercício do ministério e tive também o pensamento de morte na cabeça, cheguei à seguinte conclusão: ‘É melhor um sacerdote vivo do que um padre morto’. Sacerdotes sempre seremos, exercendo ou não. Padre é outra história…
Por favor, irmãos padres, pensem em vocês! Parem de pensar na Igreja em primeiro lugar. Na estrutura da Igreja romana no Brasil não existe tempo nem prioridade para o cuidado sacerdotal. Somos empresários e empregados de batina. Não é suficiente amar a Igreja. Apenas isso não é possível para continuar vivo diante dos inúmeros desafios sacerdotais que este tempo nos impõe. O máximo que a Igreja consegue fazer é rezar por nós. Ela dificilmente acolhe, raramente escuta, não sabe cuidar, não tem tempo para amar. Não nos procura como filhos; dificilmente a Igreja vai te ajudar. Ela se comunica conosco por decretos, papéis, provisões e excomunhões. Os bispos já nos trocam de paróquia pelo Whatsapp e telefonemas. Os padres viraram funcionários das mitras diocesanas. São conhecidos pelos números do CNPJ das paróquias que administram. Para vocês só chegarão os boletos das mitras, os envelopes das campanhas da CNBB e o número da conta do bispo para as espórtulas das crismas… O que vale a vida e a história de um padre? O que está escrito no Código de Direito Canônico! Ele vale mais que o Evangelho. Ele é punitivo. O último cânone nunca é aplicado na vida do padre!
Padre irmão que ainda não se suicidou, continue amando a Igreja; mas, por favor, se ame primeiro. Se alguma coisa acontecer com você, justa ou injustamente, você tem grande chance de ser descartado através de um decreto frio e impessoal. Ame a Jesus! Converse com Ele! Não espere o bispo lhe perguntar como está. Não crie expectativa sobre a fraternidade sacerdotal. Ela existe, na maioria do clero, só no papel. Ame-se! Se ame primeiro. Ame-se antes de amar os superiores e os irmãos padres. Lembre-se que haverá um momento que será só você e Ele. Todos deixarão você. As acusações e o que podem colocar de você nas redes, possivelmente, valerão mais do que tudo que Deus lhe deu a graça de realizar fielmente em todos os seus anos de ministério. Os conselhos presbiterais não conhecem você. Para a grande parte deles, você já está até morto…
Ah, irmão padre, não se mate. Não seja o décimo da lista de 2021! Você sabe que nenhum dos ordinários locais dos outros nove falaram nada? Se você se matar, no outro dia, alguém vai ser mandado para o seu lugar. Você será lembrado apenas nas missas em que alguém colocar o seu nome nas intenções. Com alguns dias, o Instagram e o Facebook não mais falarão de você. Foi assim com o padre Ruben, Adriano Henrique, Milton, Marco Antônio, Mauro Jorge… e todos nesse ano. E todos celebraram, usaram casulas, absolveram pecados, batizaram, assistiram casamentos”.
Suicídio sacerdotal: “não seja o décimo”
O texto assinado pelo pe. Simeão passa então a exortar os sacerdotes a buscarem ajuda quando sentirem a tentação de dar fim à própria vida:
“Padre, não seja o décimo… Peça férias, peça um ano sabático. Vá para a casa dos seus pais. Deixe a paróquia. Você não vai morrer de fome. Eu sou testemunha disso. Peça transferência de paróquia ou diocese. Busque a vida religiosa ou se incardine em uma diocese. Mude de rito, de tradição. Mude de país. Vá fazer missão, mas não se mate. Nada vai adiantar com a sua morte. Para alguns bispos, vai ser apenas menos um ‘problema’. A maior parte dos padres nem vai se lembrar de você quando o seu nome for retirado do anuário ou do site da diocese.
Padre, por favor, não se mate por amor à Igreja. Essa igreja não merece nossa morte. Ela precisa de nossa vida, ainda que escondida e insignificante para o alto clero. Não diga sim aos homens, diga sim a Deus! Mude de Estado ou até de estado de vida; mas, por favor, não se mate.
O Papa Francisco nunca saberá a verdade. A nunciatura não vai te ajudar. Se um dia a CNBB fizer algo pensando nos potenciais padres suicidas, você vai ser somente um número do passado. Se ame, padre!
Padre, procure ajuda. Se o seu bispo não o ajudar, ligue para um padre. Vá até um confessor, procure um diretor. Vá até o médico, padre. Comece, por favor, uma terapia. Temos muitos padres e consagrados psicólogos. Reze, padre; mas se ame. Se alimente, se divirta, durma, diminua a marcha. Não espere ajuda fora. Primeiro, comece em você. Mude por dentro. Ame sua humanidade e o ministério sacerdotal. Grite, irmão. Pare. Deixe o celular e vá rezar. Leia, padre. Confesse, padre. Vá ao hospital e brinque com as crianças, visite os casais, escute os idosos, fique diante do sacrário. Não se mate. Não compre remédios nem cordas. Não coloque fim na sua vida antes do tempo.
O Bom Pastor quer você vivo. E lembre-se da oração: ‘Na hora da morte, chamai-me e mandai-me ir à Vossa Presença’. Não vá antes da hora, não antecipe nem um só dia. Precisamos de você. Ele ama você! Ele amou e sempre amará você. E, se um dia, eu tiver um lugar aqui para acolhê-lo, venha ficar comigo. Prometo cuidar de você junto com irmãos que o acolherão e amarão.
Não se mate, padre, não seja o décimo, por favor!
Nossa Senhora, coloque a mão nesta lista e a cancele, por favor. Maria, Mãe dos Sacerdotes, rasgue essa lista dos padres suicidas no Brasil. Agora e até a hora da nossa morte. Amém!”
Padre Simeão do Espírito Santo
Novembro de 2021
Fonte: Aleteia
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